quarta-feira, 14 de agosto de 2019

As ditas "infestantes" e os herbicidas

Na sequência do documentário "A inteligência das árvores", estou a ler o livro de Stefano Mancuso com o título "A revolução das plantas".
Centeio (Secale ereale), daqui
Stefano Mancuso é um biólogo italiano, investigador na área da Neurobiologia Vegetal, professor na Universidade de Florença, e autor de bestsellers de divulgação científica.

Ainda não acabei de ler o livro, e conto voltar a falar do mesmo aqui no blogue, face ao tema interessantíssimo, ao fabuloso conteúdo e à linguagem muito acessível.  Se quiser saber do que trata desde já, leia uma parte disponível aqui.

Mas por agora, e porque plantas "infestantes" e herbicidas são temas frequentes neste blogue, vou transcrever um pequeno texto do livro sobre estes temas. O excerto segue-se a uma parte onde o autor explica como o centeio surgiu como cultura há milhares de anos, depois de aparecer como "infestante" de culturas de trigo e de cevada.


"Se a história do centeio é um caso de mimetismo vaviloviano bem-sucedido, muitos outros casos, porém, não o são. Refiro-me à resistência que muitas espécies conseguem desenvolver como resposta à aplicação de quantidades cada vez mais elevadas de herbicidas na agricultura. Nos últimos decénios, o uso destes cresceu de forma exponencial. E paralelamente a um aumento que podemos definir como «fisiológico», alguns herbicidas, como o glifosato, mostram um crescimento quase patológico, em parte devido à introdução nas culturas de plantas geneticamente modificadas para resistir à sua ação. 

Uso de glifosato e hectares de milho e soja plantados nos EUA (1987-2008), daqui
Trata-se de exemplares sobre os quais, por exemplo, o glifosato não tem qualquer efeito, permitindo, portanto, aos agricultores um uso indiscriminado deste herbicida. Afinal de contas, se a cultura principal está protegida e não sofreu qualquer dano, o que é que impede o homem de intervir administrando quantidades crescentes de herbicida até conseguir eliminar cada uma das incómodas «ervas daninhas»? A prová-lo, os dados sobre o uso deste herbicida são assustadores: em 1974 , somente nos Estados Unidos, consumiam-se 360 000 quilos de glifosato na agricultura; em 2014, chegou-se aos 113,4 milhões de quilos. Em quarenta anos, portanto, o uso deste herbicida aumentou mais de trezentas vezes!


Amaranto em campo de soja, imagem daqui
Esta enorme pressão química sobre as infestantes favoreceu a evolução de casos de resistência nas espécies normalmente associadas  à cultura principal, ou seja, as infestantes miméticas que já referi. Assim, existem hoje nos Estados Unidos populações de Amaranthus palmeri - um cereal comestível, mas detestado pelos agricultores por ser infestante - totalmente resistentes ao glifosato. A difusão destes cereais que prosperam nos campos de milho ou de soja tornou-se um grave problema que é combatido com doses sempre mais elevadas de glifosato e com a combinação de outros herbicidas.

E, assim, as infestantes resistentes estão a aumentar em todo o lado. A mim, este dado não me perturba absolutamente nada: sempre gostei de plantas infestantes; desde sempre me fascinou a sua capacidade de sobreviver onde não são desejadas, tal como a sua inteligência e adaptabilidade.
Sopa de urtigas, daqui
De qualquer modo, uma tal expansão não devia ser combatida  com o emprego de herbicidas, destruindo, desta forma  toda a esperança de salvar os nossos ecossistemas agrícolas, mas sim através de outras técnicas respeitadoras do ambiente. E, quando possível, devíamos aprender a conviver com elas. Repito, tenho pelas infestantes uma certa simpatia; quer quando se tornam úteis, como o centeio, quer quando não querem saber do homem, como todas as outras.  E também seria bom recordarmos que os prejuízos causados ao ambiente na tentativa de as eliminar são muito maiores dos que aqueles que elas alguma vez poderão causar ás nossas culturas. Isto no caso de elas continuarem a existir...
"

Stefano Mancuso, "A REVOLUÇÃO DAS PLANTAS -  Como a inteligência vegetal está a inventar o futuro do planeta e da humanidade", 2017; versão portuguesa: editora Pergaminho, 2019.

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