sexta-feira, 24 de junho de 2022

Morte silenciosa

«A Europa está presa num relacionamento tóxico. Durante décadas, os agricultores confiaram em produtos químicos para produzir os alimentos que alimentam o continente. Os perigos dos pesticidas são amplamente conhecidos, mas o seu uso permanece em grande parte sem controle. À medida que uma crise de biodiversidade se desenrola, a Europa pode resolver seu problema silencioso de pesticidas? 

... A Comissão da UE está finalmente a abordar a degradação da biodiversidade à sua porta. Há dois anos, a política Farm to Fork, a principal estratégia da UE para tornar a agricultura europeia verde e sustentável, estabeleceu a meta de reduzir o uso de pesticidas em 50% até 2030. O regulamento do uso sustentável de pesticidas (SUR, "Sustainable use of pesticide regulation"), atualmente em discussão em Bruxelas, é fundamental para este objetivo e será a primeira lei vinculativa da UE a resolver o problema. Resta saber se o regulamento será bem-sucedido no terreno.»

Fonte: Investigate Europe, Silent Death – Europe’s deep-rooted pesticide problem and a biodiversity crisis, junho 2022

 

«Dos jornalistas da Investigate Europe, sobre a armadilha dos pesticidas em que se encontra presa a Europa e sobre a máquina de lobbying da  indústria de agro-tóxicos para descarrilar a Farm to Fork , aproveitando, também, a guerra. » 

Fonte:  Lista ogm_pt @Emília Marques


Recordando Rachel  Carson, que há 60 anos escreveu "Primavera Silenciosa", este artigo de investigação analisa o desaparecimento dos insetos, o declínio dos pássaros, enquanto a Europa se deixa comprar pelos lobbies das indústrias químicas para continuar a lucrar com a extinção das espécies, enquanto prejudicam a saúde dos consumidores e enquanto os agricultores são mantidos presos à indústria química e seus agrotóxicos - quando surgem já muitos casos que comprovam que é possível ter lucro com menos pesticidas. A seguir, uma tradução de curto extrato do artigo.

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MORTE SILENCIOSA - A batalha dos pesticidas na Europa

24 de junho de 2022, Por Harald Schumann, Nico Schmidt e Alicia Prager

De um lado, o "complexo agroindustrial", como o chama o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans. Do outro, milhões de cidadãos que lutam contra as ameaças mortais à biodiversidade e à saúde humana. Agora, enquanto a batalha final se move para Bruxelas, Investigate Europe explora a relação tóxica da Europa com os pesticidas.  ...

Ela (Rachel Carson) prefaciou sua investigação com uma visão. O “futuro conto de fadas” da “primavera silenciosa”, onde as flores murcharam e os pássaros desapareceram, onde as abelhas já não zumbem pelos pomares e o silêncio paira sobre os campos. A conservacionista americana Rachel Carson realizou pesquisas inovadoras sobre os riscos de pesticidas na década de 1960. 

“Esta tragédia”, escreveu no seu livro Silent Spring, o primeiro best-seller ambiental do mundo, “é por enquanto apenas uma invenção da imaginação”. Mas pode “se tornar facilmente uma dura realidade” se o “espectro” da agricultura, exaltado com venenos agrícolas, não for interrompido.

Sessenta anos depois, sua visão está a chegar ameaçadoramente perto.

Um estudo histórico de 2019 descobriu que mais de 40% das espécies de insetos estavam em declínio, com a agricultura industrial e o uso de pesticidas citados como as principais causas.»

Fonte: Investigate Europe, The battle over pesticides in Europe, 24 de junho 2022

quinta-feira, 23 de junho de 2022

Instalação de rede de gás em habitação própria - ponto da situação

Numa altura em que o combate às alterações climáticas é crucial, sendo absolutamente necessário parar com o consumo de combustíveis fósseis, ou pelo menos diminuir drasticamente, não faz nenhum sentido que qualquer pessoa que construa uma casa seja obrigada a instalar rede de gás.

Entre 1999 e 2017, era obrigatório instalar rede de gás ao construir casa própria, exceto se a mesma estivesse situada em zona não urbanizada ou em zona sem rede de gás.

A partir de 2017, com o Decreto-Lei 97/2017 de 10 de agosto, deixou de ser obrigatório instalar rede de gás nos edifícios destinados a habitação própria, desde que não pretendesse usar essa fonte de energia. Um passo positivo, portanto.

No entanto, um ano depois, surge a Lei n.º 59/2018 de 21 de agosto a alterar esse diploma, num passo negativo inexplicável, pois passou a ser SEMPRE obrigatório instalar rede de gás ao construir casa própria.

Ora, a partir de 2018, quem não pretendesse usar gás em casa nova, teve de pagar no mínimo 1500 euros para projeto, instalação e certificação desta rede - que NÃO VAI USAR.  

Além disso, todos sabemos que o gás é um combustível fóssil com elevadas emissões de  gases com efeito de estufa (GEE), pelo que deve ser substituído por fontes de energia mais limpas.

Extraído daqui (pag. 13)
Como foi possível tal retrocesso legislativo?????

Com base na apreciação parlamentar de um partido, onde apenas são referidas questões de segurança das instalações, provavelmente muito legítimas, dá-se a discussão do assunto na Assembleia da República, e esse partido apresenta proposta de alteração, onde, para além das questões de segurança discutidas, aparece esta alteração para obrigar TODAS as habitações a instalarem rede de gás. Inexplicavelmente.

Há um ano, em 7 de junho de 2021, participei a situação à Provedoria de Justiça, que me respondeu em 28 de setembro,  após consulta à ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços de Energia); esta entidade não foi consultada no âmbito da alteração legislativa de 2018, conforme transcrição abaixo da sua resposta à Provedoria de Justiça:

«O Pacote Legislativo ‘Energia Limpa para todos os Europeus’ de 2018 e 2019, que foi tomado em consideração pelo Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC 2050) e pelo Plano Nacional Energia e Clima 2030 (PNEC 2030), introduz aspetos inovatórios que contribuirão decisivamente para uma descarbonização mais acentuada do setor energético.
 
É de salientar igualmente a aprovação da Lei Europeia do Clima no mês passado, uma das prioridades da Presidência Portuguesa da União Europeia do primeiro semestre de 2021, que constitui mais um passo no estabelecimento de um quadro legislativo europeu robusto, em que a redução das emissões de gases com efeito de estufa é central e é determinada uma meta ainda mais ambiciosa para 2030, que passou de reduzir 40%, para reduzir pelo menos 55%, quando comparados os níveis de 1990.
 
Apesar da relevância da matéria em apreço para os setores sujeitos à regulação da ERSE, cabe informar que a alteração legislativa em causa, levada a cabo pela Assembleia da República, não foi precedida de parecer ou informação da ERSE.»


Por sugestão da Provedoria de Justiça, submeti o assunto em PETIÇÃO à Assembleia da República (AR) no respetivo site. A petição Pelo fim da obrigatoriedade de instalação de rede de gás em habitação própria foi aceite em 9 de setembro de 2021, ficando a recolher assinaturas até outubro seguinte. 

Foi submetida à AR com 150 assinaturas em 23 de outubro. Após uma grande espera certamente motivada pela dissolução da AR e tomada de posse de uma nova, em 2 de junho de 2022,  foi nomeado relator o deputado Jorge Salgueiro Mendes. Mesmo não sendo obrigatório, face ao reduzido número de assinaturas, fui chamada a audição com o deputado relator e seu assessor,  no dia 22 de junho de 2022. 

Expliquei os motivos que estão na petição, e ainda acrescentei motivos relacionados com legislação climática que surgiu neste espaço de um ano, designadamente:

- A Lei Europeia do Clima, de 9 de julho de 2021, que tem como objetivo a redução de pelo menos 55% das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) até 2030 (relativamente  a1990).

- A Lei de Bases do Clima, Lei n.º 98/2021 de 31 e dezembro, que:
- artigo 18º - tem como objetivo geral atingir a neutralidade carbónica até 2050;
- artigo 19º - tem  como metas de mitigação para 2030 a redução de pelo menos 55% nas emissões de GEE, até 2040 a redução entre 65 e 75%, e até 2050 a redução de 90% (relativamente a 2005);
- artigo 27º - refere que o procedimento legislativo deve ter em conta o impacte das iniciativas no equilíbrio climático;
- artigo 39º - 2.b) promove a descarbonização no setor residencial ; 
- artigo 39º - 2.d) promove a eletrificação do consumo de energia, eliminando até 2040 o papel do gás de origem fóssil no sistema energético nacional


Veja-se como exemplo, o contrário do que sucede em Portugal: Nova Iorque proibiu a instalação de redes de gás em edifícios novos:

«A partir de 2023, os novos edifícios em Nova Iorque deixarão de poder estar ligados à infraestrutura de gás. Portanto, os sistemas de aquecimento e de água quente terão de ser, nessa altura, totalmente elétricos. Este prazo aplicar-se-á a edifícios mais pequenos, pelo que as estruturas com mais de sete andares terão até 2027 para se eletrificarem.
...
 Um estudo desenvolvido pelo Rocky Mountain Institute concluiu que a nova medida a ser adotada em Nova Iorque poderia evitar 2,1 milhões de toneladas de dióxido de carbono até 2040. Comparativamente, isto seria como tirar 450.000 carros da estrada. Além disso, os contribuintes pouparão dinheiro que, de outra forma, seria gasto nas ligações à infraestrutura de gás.»

Fonte: PPL.Ware.Sapo , com base em noticia do New York Times


Um ano depois de começar esta história, com base na legislação climática que entretanto surgiu, com base também no decurso da audição na AR com o deputado relator, e com alguma fé no bom senso da Comissão de Ambiente e Energia que apreciará a petição, tenho alguma esperança num desfecho feliz. Não sei quanto tempo demorará até ao desfecho, mas veremos.

sábado, 18 de junho de 2022

Gastronomia Sustentável

Dia 18 de junho - Dia Internacional da Gastronomia Sustentável. 

«O que é Gastronomia Sustentável?

A gastronomia é por vezes chamada de arte da comida. Também pode se referir a um estilo de cozinhar de uma determinada região. Por outras palavras, a gastronomia muitas vezes refere-se à comida e culinária local. Sustentabilidade é a ideia de que algo (por exemplo, agricultura, pesca ou mesmo preparação de alimentos) é feito de forma que não desperdice nossos recursos naturais e possa continuar no futuro sem prejudicar nosso meio ambiente ou saúde.

Gastronomia sustentável, portanto, significa uma culinária que leva em consideração a origem dos ingredientes, como os alimentos são cultivados e como chegam aos nossos mercados e, eventualmente, aos nossos pratos.

Por que tem um “dia”?

Porque comer alimentos locais produzidos de forma sustentável faz a diferença na vida das pessoas, no ambiente e nas economias. Em 2050, o mundo terá mais de 9 mil milhões de bocas humanas para alimentar. No entanto, 1/3 de todos os alimentos produzidos são perdidos ou desperdiçados. Atualmente estamos a usar nossos oceanos, florestas e solos de maneiras largamente insustentáveis. Precisamos de  ser mais cuidadosos sobre como usamos nossos recursos naturais, como produtores, e precisamos ser mais exigentes sobre como escolhemos nossos alimentos, como consumidores.

Comer produtos cultivados localmente ajuda a impulsionar a economia de uma região, a apoiar seus agricultores e a reduzir os gases com efeito estufa e os recursos usados no transporte de alimentos. Comprar produtos cultivados localmente significa que há procura e isso ajuda os agricultores a manter seus meios de subsistência.

Por que eu me deveria importar?

A maioria de nós preocupa-se com a alimentação. Alguns de nós preocupam-se REALMENTE com a comida (estamos falando com vocês, gourmets!). Cuidar dos nossos alimentos e dos mercados locais significa que podemos ajudar a preservar as nossas raízes culinárias: as culturas tradicionais, receitas e culturas de onde se originam essas cozinhas. Significa que estamos atentos aos recursos utilizados para cultivar os alimentos que prezamos e que estamos a ajudar a manter vivas as tradições culinárias.

Ao estar aberto a alimentos cultivados localmente e comer o que está na estação, você pode ajudar a mudar os padrões de compra de empresas locais, como restaurantes e hotéis, e apoiar os pescadores e agricultores da região. Você também pode expandir sua dieta para incluir outras culturas tradicionais, como quinoa ou figueira-da-Índia*, que são cheias de vitaminas e minerais.


O que posso fazer?

1. Apoie seus agricultores: Vá aos mercados locais de alimentos. Ao comprar a pequenos produtores ou agricultores familiares, você está a apoiar seus meios de subsistência e a fortalecer as comunidades.

2. Experimente comidas locais em suas viagens: seja experimentando tipos de peixes que você nunca ouviu falar ou frutas que você nunca viu antes, comer produtos locais ajuda a dar uma visão melhor da cultura de um lugar e apoia as economias locais.

3. Mantenha vivas as tradições culinárias! As tradições culinárias são geralmente sustentáveis ​​por natureza e nos lembram de nossas raízes ancestrais. Experimente cozinhar receitas que usam ingredientes nativos da sua região. As leguminosas, por exemplo, são fáceis de cultivar e extremamente nutritivas.

4. Evite o desperdício de alimentos: Ao cozinhar, e mesmo após a refeição, tenha consciência de usar todos os ingredientes com sabedoria e de guardar as sobras. Ter cuidado com o tamanho das porções, prazos de validade e reutilização das refeições é uma das maneiras mais fáceis de economizar recursos naturais.

À medida que o excesso de peso e obesidade aumentam em todo o mundo, é muito mais importante garantir que dietas saudáveis ​​e sustentáveis ​​estejam disponíveis e acessíveis a todos. Todos nós podemos agir para alcançar dietas saudáveis ​​e um mundo Fome Zero até 2030.»

Fonte: tradução livre de artigo da FAO de 18/6/2020

Nota: * A figueira-da-Índia ou  Opuntia ficus-indica é uma espécie considerada invasora em Portugal