segunda-feira, 7 de junho de 2021

Sobre a obrigatoriedade de instalação de rede de gás em habitações

É um contrassenso que hoje em dia a legislação obrigue qualquer pessoa que queira construir a sua habitação, a instalar rede de gás, ainda que, não tenha intenção de a usar, optando por energias renováveis, ou menos poluentes, ou com menos consequências a nível do efeito de estufa!

Na legislação de há uns anos, a instalação de gás em habitação própria era obrigatória, ainda que não pretendesse usá-la, a não ser que a casa se localizasse em zona sem rede de gás ou em Reserva Agrícola.

Em 2017, o governo alterou a legislação nesse apesto, de forma a que,  quem pretendesse construir habitação própria, poderia prescindir de instalar rede de gás, se não pretendesse usar essa fonte de energia,

Nem um ano passado, eis que, por apreciação parlamentar, o decreto-lei foi alterado, passando a ser obrigatória a instalação de gás em TODAS as habitações. 

O mais estranho é que, o texto em que o PCP pediu a apreciação parlamentar apenas se referia a questões de segurança das instalações de gás.... e que que instalação de gás é mais segura que a inexistente? Dá a impressão que alguém ou algum lobby com interesse na instalação ou no projeto de gás, inadvertidamente colocou aquela alteração...  O que se teria passado? Alguém me explica a lógica?

Em relação a isso, enviei hoje a seguinte queixa para a Provedoria de Justiça (só foi pena não me ter apercebido disso há mais tempo):

«A Lei n.º 59/2018 de 21 de agosto que alterou o Decreto-lei n.º 97/2017 de 10 de agosto, designadamente o n.º 2 do artigo 3º, veio retirar obrigar à instalação de rede de gás para os edifícios destinados a habitação própria, mesmo que o promotor da obra opte pela exclusão da instalação de gás.  

Ou seja, veio obrigar a que todos os edifícios para habitação sejam obrigados a instalar rede de gás, independentemente de haver intenção de usar essa fonte de energia ou mesmo de existir rede de gás no local.

Sabe-se que o gás natural, ou mesmo o gás engarrafado, como propano ou butano, são combustíveis fósseis, não renováveis, que emitem dióxido de carbono na sua combustão, ou seja, contribuem para aumentar a concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera, acelerando as alterações climáticas.

Ora, obrigar o cidadão que não quer usar gás na sua casa a instalar a respetiva rede, contraria todas as orientações da União Europeia e nacionais a nível de combate às alterações climáticas, que estabelecem objetivos de redução do uso de combustíveis fósseis.  Esta obrigatoriedade de instalar rede de gás contraria:

1 - A Diretiva (UE) 2018/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis, designadamente os números (73) e (74) do preâmbulo, o artigo 1º (Objeto) e o artigo 15º (Procedimentos administrativos, regulamentos e códigos), mais especificamente o n.º 4, que se transcreve:
"Os Estados-Membros devem introduzir medidas adequadas nos seus regulamentos e códigos de construção para aumentar a quota de todos os tipos de energia de fontes renováveis no setor da construção."

2 - A Diretiva 2010/31/UE de 19 de maio de 2010, reformulada em 1 de janeiro de 2021,  relativa ao desempenho energético dos edifícios, que promove a descarbonização do parque imobiliário.

3 -  A Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas, aprovada na resolução de Conselho de Ministros n.º 24/2010 de 1 e abril, que refere que "Reduzir emissões é, assim, a primeira linha de combate às alterações climáticas, de mitigação do risco das suas consequências."

4 - O Programa de Ação para Adaptação às Alterações Climáticas, aprovado na Resolução do Conselho de Ministros n.º 130/2019, que refere:
"Portugal contribuirá internacionalmente para os objetivos do Acordo de Paris através do compromisso de redução das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) de modo a que o balanço entre estas emissões e a remoção ou captura de GEE da atmosfera (por exemplo, através do sequestro de carbono florestal ou agrícola) seja nulo em 2050."

5 - A Constituição da República Portuguesa, designadamente o n.º 1 e a alínea f) do n.º 2 do artigo 66º (Ambiente e qualidade de vida).

Assim, solicita-se que a Assembleia da República anule a alteração ao n.º 2 do artigo 3º do Decreto-lei n.º 97/2017 de 10 de agosto, efetivada pela  Lei n.º 59/2018 de 21 de agosto , de forma a que a instalação de rede de gás em edifícios destinados a habitação própria não seja obrigatória, mas opcional.

O Estado não pode fazer leis que dão passos atrás na luta contra as alterações climáticas, contrariando-se a si próprio, sucumbindo a interesses das multinacionais ou a associações profissionais.  O interesse dos cidadãos e a proteção do ambiente são fundamentais.»