quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Fukuoka e os limites do método científico

«Os pesquisadores deviam ser filósofos antes de se tornarem pesquisadores. Deviam questionar-se sobre qual é o objectivo do Homem e o que é que a humanidade deve criar. Os médicos deviam começar por determinar aquilo que é fundamental na vida do Homem.Ao aplicar as minhas teorias à agricultura, experimentei o cultivo de cereais de Inverno de diversas maneiras, com a ideia constante de desenvolver um método que estivesse próximo da Natureza. Consegui-o suprimindo as práticas agrícolas inúteis.

Mas a agricultura científica moderna não vê as coisas desta maneira. A pesquisa erra à aventura, e cada pesquisador mais não vê do que uma parte da quantidade infinita de factores naturais que afectam o rendimento das colheitas. Além disso, estes factores naturais mudam de lugar para lugar e de ano para ano.

Num mesmo campo, o agricultor deve, em cada ano, cultivar de forma diferente consoante as variações do clima, as populações de insectos, o estado do solo e inúmeros outros factores naturais. A Natureza está em toda a parte em perpétuo movimento; as condições nunca são exactamente as mesmas em dois anos seguidos.

A pesquisa moderna divide a Natureza em pequenos pedaços e leva a cabo experiências que não são conformes nem à lei da Natureza nem à prática. Os resultados são adaptados de acordo com as conveniências da investigação e não com as necessidades do camponês. Pensar que as conclusões da investigação podem ser infalivelmente aplicadas no campo do agricultor é um grave erro.
(...)

Neste momento fala-se muito nos benefícios do "movimento do Bom arroz" e da "Revolução Verde". Dado que estes métodos estão subordinados a variedades de sementes fracas "melhoradas", o agricultor deve recorrer a produtos químicos e a insecticidas 8 a 10 vezes durante a estação de crescimento. Em pouco tempo os microorganismos e a matéria orgânica ficam queimados. A vida do solo é destruída e as colheitas acabam por ficar dependentes de matérias nutritivas fornecidas a partir do exterior sob a forma de fertilizante químico.

Imagem obtida aqui
Embora as coisas pareçam resultar melhor quando o camponês aplica as técnicas "científicas", isso não significa que a ciência deva vir em nosso socorro porque a fertilidade natural é insuficiente por natureza. Isso significa que que esse recurso torna-se necessário porque a fertilidade natural foi destruída.

Espalhando palha nos campos, fazendo crescer trevo, devolvendo ao solo todos os resíduos orgânicos, a terra acaba por possuir todas as matérias nutritivas necessárias ao arroz, e aos cereais de Inverno no mesmo campo, todos os anos. Através da agricultura selvagem, os campos danificados pelo cultivo ou pela utilização de compostos químicos agrícolas podem ser efectivamente recuperados.»

Texto de Masanobu Fukuoka (1913-2008), extraído do capítulo "Limites do método científico" do seu livro "A Revolução de Uma Palha", 1975, Editora Via Óptima, 2008

Um livro que todos os agricultores, aspirantes a agricultores e curiosos da agricultura deviam ler! E cientistas também!


(Nota de 14/12/2013: livro disponível para download aqui)


2 comentários:

  1. SOU GRANDE ADIMIRADOR DE FUKUOKA! Realmente a universidade tem que ir no encontro do homem do campo.
    parabens pelo artigo!!!

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  2. Alexandre e Alana, ler "A Revolução de Uma Palha" é, na realidade, um excelente lição de ecologia e da relação Homem-Natureza. Uma lição aprendida com prazer e esperança.
    Obrigada!

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