quinta-feira, 23 de junho de 2022

Instalação de rede de gás em habitação própria - ponto da situação

Numa altura em que o combate às alterações climáticas é crucial, sendo absolutamente necessário parar com o consumo de combustíveis fósseis, ou pelo menos diminuir drasticamente, não faz nenhum sentido que qualquer pessoa que construa uma casa seja obrigada a instalar rede de gás.

Entre 1999 e 2017, era obrigatório instalar rede de gás ao construir casa própria, exceto se a mesma estivesse situada em zona não urbanizada ou em zona sem rede de gás.

A partir de 2017, com o Decreto-Lei 97/2017 de 10 de agosto, deixou de ser obrigatório instalar rede de gás nos edifícios destinados a habitação própria, desde que não pretendesse usar essa fonte de energia. Um passo positivo, portanto.

No entanto, um ano depois, surge a Lei n.º 59/2018 de 21 de agosto a alterar esse diploma, num passo negativo inexplicável, pois passou a ser SEMPRE obrigatório instalar rede de gás ao construir casa própria.

Ora, a partir de 2018, quem não pretendesse usar gás em casa nova, teve de pagar no mínimo 1500 euros para projeto, instalação e certificação desta rede - que NÃO VAI USAR.  

Além disso, todos sabemos que o gás é um combustível fóssil com elevadas emissões de  gases com efeito de estufa (GEE), pelo que deve ser substituído por fontes de energia mais limpas.

Extraído daqui (pag. 13)
Como foi possível tal retrocesso legislativo?????

Com base na apreciação parlamentar de um partido, onde apenas são referidas questões de segurança das instalações, provavelmente muito legítimas, dá-se a discussão do assunto na Assembleia da República, e esse partido apresenta proposta de alteração, onde, para além das questões de segurança discutidas, aparece esta alteração para obrigar TODAS as habitações a instalarem rede de gás. Inexplicavelmente.

Há um ano, em 7 de junho de 2021, participei a situação à Provedoria de Justiça, que me respondeu em 28 de setembro,  após consulta à ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços de Energia); esta entidade não foi consultada no âmbito da alteração legislativa de 2018, conforme transcrição abaixo da sua resposta à Provedoria de Justiça:

«O Pacote Legislativo ‘Energia Limpa para todos os Europeus’ de 2018 e 2019, que foi tomado em consideração pelo Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC 2050) e pelo Plano Nacional Energia e Clima 2030 (PNEC 2030), introduz aspetos inovatórios que contribuirão decisivamente para uma descarbonização mais acentuada do setor energético.
 
É de salientar igualmente a aprovação da Lei Europeia do Clima no mês passado, uma das prioridades da Presidência Portuguesa da União Europeia do primeiro semestre de 2021, que constitui mais um passo no estabelecimento de um quadro legislativo europeu robusto, em que a redução das emissões de gases com efeito de estufa é central e é determinada uma meta ainda mais ambiciosa para 2030, que passou de reduzir 40%, para reduzir pelo menos 55%, quando comparados os níveis de 1990.
 
Apesar da relevância da matéria em apreço para os setores sujeitos à regulação da ERSE, cabe informar que a alteração legislativa em causa, levada a cabo pela Assembleia da República, não foi precedida de parecer ou informação da ERSE.»


Por sugestão da Provedoria de Justiça, submeti o assunto em PETIÇÃO à Assembleia da República (AR) no respetivo site. A petição Pelo fim da obrigatoriedade de instalação de rede de gás em habitação própria foi aceite em 9 de setembro de 2021, ficando a recolher assinaturas até outubro seguinte. 

Foi submetida à AR com 150 assinaturas em 23 de outubro. Após uma grande espera certamente motivada pela dissolução da AR e tomada de posse de uma nova, em 2 de junho de 2022,  foi nomeado relator o deputado Jorge Salgueiro Mendes. Mesmo não sendo obrigatório, face ao reduzido número de assinaturas, fui chamada a audição com o deputado relator e seu assessor,  no dia 22 de junho de 2022. 

Expliquei os motivos que estão na petição, e ainda acrescentei motivos relacionados com legislação climática que surgiu neste espaço de um ano, designadamente:

- A Lei Europeia do Clima, de 9 de julho de 2021, que tem como objetivo a redução de pelo menos 55% das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) até 2030 (relativamente  a1990).

- A Lei de Bases do Clima, Lei n.º 98/2021 de 31 e dezembro, que:
- artigo 18º - tem como objetivo geral atingir a neutralidade carbónica até 2050;
- artigo 19º - tem  como metas de mitigação para 2030 a redução de pelo menos 55% nas emissões de GEE, até 2040 a redução entre 65 e 75%, e até 2050 a redução de 90% (relativamente a 2005);
- artigo 27º - refere que o procedimento legislativo deve ter em conta o impacte das iniciativas no equilíbrio climático;
- artigo 39º - 2.b) promove a descarbonização no setor residencial ; 
- artigo 39º - 2.d) promove a eletrificação do consumo de energia, eliminando até 2040 o papel do gás de origem fóssil no sistema energético nacional


Veja-se como exemplo, o contrário do que sucede em Portugal: Nova Iorque proibiu a instalação de redes de gás em edifícios novos:

«A partir de 2023, os novos edifícios em Nova Iorque deixarão de poder estar ligados à infraestrutura de gás. Portanto, os sistemas de aquecimento e de água quente terão de ser, nessa altura, totalmente elétricos. Este prazo aplicar-se-á a edifícios mais pequenos, pelo que as estruturas com mais de sete andares terão até 2027 para se eletrificarem.
...
 Um estudo desenvolvido pelo Rocky Mountain Institute concluiu que a nova medida a ser adotada em Nova Iorque poderia evitar 2,1 milhões de toneladas de dióxido de carbono até 2040. Comparativamente, isto seria como tirar 450.000 carros da estrada. Além disso, os contribuintes pouparão dinheiro que, de outra forma, seria gasto nas ligações à infraestrutura de gás.»

Fonte: PPL.Ware.Sapo , com base em noticia do New York Times


Um ano depois de começar esta história, com base na legislação climática que entretanto surgiu, com base também no decurso da audição na AR com o deputado relator, e com alguma fé no bom senso da Comissão de Ambiente e Energia que apreciará a petição, tenho alguma esperança num desfecho feliz. Não sei quanto tempo demorará até ao desfecho, mas veremos.

2 comentários:

  1. Infelizmente esta petição não resultou em nada, apesar de na entrevista na AR terem-me dado a entender que tinha razão. Pode ver a conclusão neste post .
    Resumindo:
    O relatório é muito simpático e totalmente inconclusivo, sendo que o deputado relator se absteve de emitir opinião. O relatório limitou-se a relatar os factos, passe o pleonasmo, e a "suposta" conclusão limitou-se a "dar conhecimento" do relatório aos Grupos Parlamentares, ao Ministro do Ambiente e Alterações Climáticas e ao Presidente da República "para os devidos efeitos"

    ResponderEliminar

Obrigada por visitar o blogue "Sustentabilidade é Acção"!

Agradeço o seu comentário, mesmo que não venha a ter disponibilidade para responder. Comentários que considere de teor insultuoso ou que nada tenham a ver com o tema do post ou com os temas do blogue, não serão publicados ou serão apagados.