quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Utopia ecológica (Viriato Soromenho Marques)

Extratos do depoimento de Viriato Soromenho Marques no artigo do Público (Ciência) "Na utopia ecológica, o importante é que a história continue", de 14/1/2016:

Imagem obtida aqui. Projeto de Mitchell Joachim
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Pelo seu gigantismo, a crise ambiental coloca-nos o dilema de aceitar a complexidade, e isto implica mudar o modo de vida, os hábitos de consumo, o que comemos, como nos deslocamos. Não é fácil, é como se estivéssemos a interrogar a respiração, se cada vez que inspiramos tivéssemos de pensar se estamos a fazer bem.
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Considero que há duas utopias fundamentais. Há uma utopia clássica, que é essencialmente ética. E há uma utopia moderna, que é essencialmente tecno-científica. As utopias de Platão e de Thomas More dizem o seguinte: nós podemos criar uma sociedade melhor, temos é de ter a disposição moral para isso, temos de nos organizar ética e politicamente para isso.
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Uma das características fundamentais da utopia tecno-científica é o falhanço entre expectativa e resultados. Augusto Comte dizia, em 1822: vamos começar uma nova idade, a idade industrial. Vamos substituir o domínio do homem sobre o homem pelo domínio do homem sobre a natureza. Vamos ter mais produção, mais riqueza. Teremos a paz porque toda a gente terá abundância. Mas a paz não aconteceu. Temos tecnologia e temos guerra e exploração.
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É o mesmo discurso dos utopistas modernos. Na biotecnologia, argumenta-se que os organismos geneticamente modificados vão acabar com a fome no mundo. É conversa. E continuamos a dizer a mesma coisa que dizíamos sobre o nuclear, que é seguro, que está sob controlo.
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Imagem obtida em "The Venus Project". Projeto de Jacques Fresco (sistemas urbanos - cidades circulares)
É por isso que surge a crítica ecológica. Ela não é anti-tecnológica, mas é uma crítica a esta forma de como nós transformamos a tecnologia num fim em si próprio, e não num instrumento fundamental. Se não colocarmos a tecnologia dentro de limites políticos muito precisos, ela vai-se desenvolver até ao colapso".
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É escandaloso perceber que gastamos várias vezes mais na investigação de novos cosméticos do que nas energias renováveis. A investigação científico-tecnológica não é dominada por uma ideia de bem comum da humanidade, mas pela maximização do lucro das empresas.
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O recente Acordo de Paris [para o combate às alterações climáticas] corresponde à visão tecno-científica contemporânea. A ideia básica é essa: deixem o mercado trabalhar, o mercado há-de encontrar a melhor solução. O acordo coloca as regras do mercado a constranger a sociedade, enquanto devemos pôr as regras da sociedade política a constranger o mercado.
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Imagem obtida aqui. Projeto de Raimond Hullu
O sistema de compromissos anunciados pelos países não é suficiente. São palmadas nas costas, é uma conversa retórica, de que todos somos irmãos. É melhor do que não haver acordo. Mas falta a noção de que precisamos ir mais depressa. E só é possível ir mais depressa se encontrarmos mecanismos artificiais que modelem o mercado.
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A grande utopia é termos uma sociedade que permita que cada um, dentro de limites ambientais, ecológicos, materiais, possa seguir o seu caminho. A minha utopia para o futuro é a utopia da realização do indivíduo.

Mas se não arranjarmos a casa, se não organizarmos politicamente a economia e a sociedade, não vamos ter nada disso. Teremos sociedades de refugiados ambientais, de estados policiais, de estados de emergência. O terrorismo, agora, é uma pequena amostra do que poderá vir a acontecer". »

Fonte: Viriato Soromenho Marques em "Na utopia ecológica, o importante é que a história continue", Público, 14/1/2016

2 comentários:

  1. Olá Manuela!

    O que nos safa é que são apenas utopias...

    voza0db

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    Respostas
    1. Olá Voz
      As utopias são necessárias, e quem sabe, podem ser reais, não se sabe onde nem quando...

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