domingo, 13 de setembro de 2015

Deslocados

Na Europa, sente-se agora em força o êxodo exponencial de  povos que fogem à guerra e/ou à miséria, e o medo começa a exalar... como narra Valter Hugo Mãe:

«O medo vai inventar todos os horrores para atribuir aos refugiados. O recato das famílias vai temer que o desespero de quem procura sobreviver destrua os valores, partilhe a fome. Estamos pouco habituados à verdadeira solidariedade. Somos genericamente melhor agressores do que cuidadores. Quando falhamos no cuidado, estamos a falhar contra nós mesmos também.

Entendo bem que nos frustre tanto quanto passam os nossos, metidos numa crise imoral, debaixo de governos culpados que atribuem as culpas ao cidadão inocente, mas não posso achar saudável que se vejam as fotografias das crianças mortas como se fossem postais turísticos de uma realidade normalizada para longe de nós. Não há normalidade nem na morte das crianças nem na dessensibilização perante a morte das crianças. Ao menos isso, deixemos que se sinta profundamente, e pensemos honestamente, humanamente, que é preciso solucionar.

Não vamos jamais resolver todos os problemas. Estaremos sempre aflitos com o grotesco de que os homens são capazes. A única coisa que claramente podemos fazer é optar, no mais profundo de nós, por um lado da barricada. Estaremos do lado dos eternamente desconfiados, aqueles que ab initio já atacam porque não toleram diferenças e recusam qualquer risco, ou do lado dos que guardam a esperança, aqueles que ponderam os riscos mas preferem acreditar que a generosidade é uma terapêutica universal que pode, de facto, irmanar povos, pode irmanar pessoas.

À consciência de cada um, fica o sentido das lágrimas vertidas pelo menino na areia, por todos os meninos e toda a gente que, no resto da conta, apenas procuravam o contrário, viver. Se alguém puder acusar outrem da obscenidade de querer viver, algo estará, por definição, doentiamente errado.»

Valter Hugo Mãe, em "O menino na areia", Público, 13/9/2015

Da capa do relatório World at War, UNHCR
Segundo o relatório do Mundo em Guerra do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR ou UNHCR): 

"No final de 2014, 59,5 milhões de indivíduos estavam deslocados à força como resultado de perseguições, conflitos, violência generalizada ou violação dos direitos humanos, mais 8,3 milhões que no ano anterior. Em 2014, os conflitos e perseguições forçaram uma média de 42.500 pessoas por dia a deixar as suas casas e procurar proteção noutros locais. Mais de metade dos refugiados (53%) têm origem em apenas 3 países: Síria, Afeganistão e Somália. Crianças abaixo dos 18 anos constituem 51% dos refugiados em 2014."




Gráficos  obtidos em: Where Syrians find their refugees (The Economist, 10/9/2015)


A consultar  também:
Refugiados na Europa: a crise em mapas e gráficos, 6/9/2015, BBC Brasil
Situação interna na Síria se deteriora e força milhares de pessoas para a Europa, UNHCR, 9/9/2014


Que mundo este! E cada dia a crise piora! Haja solidariedade dos povos que  podem acolher os que fogem da guerra e da perseguição, enquanto a origem dos males que provocaram esta situação tardam em se resolver.

6 comentários:

  1. Desculpe entrar a matar, mas ao Valter eu exigiria mais
    Intelectual que é, pedia-lhe que fosse além da comoção
    compete-lhe a razão
    e, se não as respostas, pelo menos as perguntas:

    «Quem desestabilizou a região? Quem fornece armas ao "Estado Islâmico"? e quem lhe compra o petróleo que este produz nos vastos territórios ocupados?»

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    1. Olá Rogério
      O texto do Valter Hugo Mãe aborda a nossa reação o fluxo de refugiados e não às causas, e foi isso que eu aqui quis trazer. As causas dá muito pano para mangas, mas não é o assunto desta mensagem. Outros saberão melhor falar no assunto, mas com toda a certeza que a Europa tem muita e muita culpa nessas causas.

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    2. Manuela, longe de mim a ideia, ideia só que seja, de "condenar" o seu texto... condeno é a perspectiva meramente emotiva que lhe deu o Valter. É que a responsabilidade de quem vende livros passa por ir à origem das coisas, pois só aí as soluções podem acontecer, só aí a opinião pública pode influenciar a solução, só aí é que o que está a acontecer se pode inverter.

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  2. Manuela,

    Concordo plenamente com o Rogério.

    Além disso, tenho sido bastante crítico com este "fluxo de refugiados".

    Uma simples pergunta: como é que uma pessoa que vive na miséria consegue arranjar 10 000 euros para cumprir este seu objectivo? De onde vem esse dinheiro?"

    Um abraço

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    1. Olá Octopus
      Como disse ao Rogério, esta mensagem refere-se à nossa reação aos refugiados, solidária ou de medo. Não se refere às causas da migração, que o Octopus saberá muito melhor do que eu. Também sabe que a maioria deles, sobretudo os sírios, foge sobretudo à guerra, violência e perseguição, não à miséria.
      Um abraço

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  3. Olá Manuela!

    Algo está, por definição, doentiamente errado quando um indivíduo escreve uma tirada destas

    "debaixo de governos culpados que atribuem as culpas ao cidadão inocente"

    Se há coisa que não existe é "cidadão inocente"!

    Afinal de contas são esses tais "inocentes" que colocaram - via VOTO - os outros "inocentes" a governar, e são estes que no final fazem o que tão espectacularmente podemos contemplar na Síria.

    Aliás, já ouvimos os candidatos a 1º Ministro afirmarem que não excluem o envio de militares portugueses para este país, se os Senhores do Mundo assim nos ordenarem...

    E como no próximo dia 4 de Outubro a populaça irá continuar a pastar nos campos do costume, estão inocentemente a dar o seu aval para estas decisões... E outras do mesmo, ou pior, nível.

    De resto, nada de novo! Muita palavra escrita... Até escreveu "esperança" pelo que MUDANÇA... NADA!

    Abraço
    voz

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