domingo, 25 de janeiro de 2015

Nosso veneno quotidiano

O efeito nocivo de muitos dos químicos utilizados no dia a dia, designadamente na agricultura intensiva, na indústria alimentar e das embalagens , e que vão parar no nosso organismo, só será admitido quando for tarde de mais para muitos ou para uma geração. As décadas passam, e os erros repetem-se - até quando vão existir entidades reguladoras absolutamente comprometidas com a indústria que deveriam regular?

E quantos dos químicos foram estudados de forma isenta e quantos não o foram? E se foram estudados, foram-no isoladamente; e o efeito multiplicador que acontece quando se juntam os químicos poluentes? Alguns estudos já comprovaram que esse efeito existe e pode ser enorme, mas como estudar todas as possibilidades?

Mais um documentário sobre os venenos nas nossas mesas: "Nosso Veneno Quotidiano" (Notre Poison Quotidien), um documentário de Marie-Monique Robin (França), depois dos documentários "O Veneno Nosso de Cada Dia" (Portugal) e "O Veneno Está na Mesa" (Brasil),  todos de 2011.

«Um documentário produzido pela ARTE que retrata a problemática dos pesticidas, que tantos males causa à população mundial. O Nosso Veneno Quotidiano revela a falta de segurança no sistema e a constante preocupação com a proteção de segredos comerciais que são mais valorizados do que a saúde humana.»

«Desde o pós-guerra, a introdução de produtos químicos na cadeia alimentar preocupa e levanta questões. As 100.000 moléculas químicas que invadiram o nosso ambiente não poupam as nossas dieta: resíduos de pesticidas em frutas e legumes, aditivos alimentares em mercearias e refeições prontas, ou embalagens de plástico e recipientes. Ao mesmo tempo, a Organização Mundial de Saúde assinala que a taxa de incidência de cancro duplicou depois de feita a correção do fator de envelhecimento da população. O aumento das leucemias e tumores cerebrais em crianças é de cerca de 2% ao ano, similar à evolução das e disfunção reprodutiva,  doenças autoimunes e doenças neurológicas (Parkinson e Alzheimer) na população em geral.

Será que há ligação entre esta epidemia preocupante, que afecta sobretudo os países chamados "desenvolvidos", e a presença de produtos químicos na nossa alimentação? Como são regulados? Foram testados com seriedade? Para responder a essas perguntas, Marie-Monique Robin realizou uma investigação de dois anos na América do Norte, Ásia e Europa. Com base em numerosos estudos científicos, mas também em testemunhos de representantes de agências reguladoras - como a Food and Drug Administration (FDA) ou a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA), a jornalista segue os rastos químicos, desde o campo do agricultor até aos nossos pratos. No centro do seu argumento, o sistema de avaliação e certificação que autoriza a presença de produtos tais como pesticidas, aspartame e Bisfenol A nos alimentos.
  


O resultado é surpreendente. Por um lado, as suspeitas especificas sobre os efeitos dos pesticidas chegaram ao ponto de os agricultores obterem o reconhecimento do caráter profissional de doenças graves de que sofrem. Por outro lado, a opacidade das esperiências realizadas pelos fabricantes é total, estudos sistemáticos são raros, e os pareceres científicos são influênciados. Os debates dos especialistas, sobre os produtos utilizáveis e doses permitidas são completamente fechados ao público. Já para não falar dos casos que se apoiam em testes  falsificados por industriais ou em modelos científicos ultrapassados.

Com efeito, eles continuam a avaliar os produtos químicos separadamente, ignorando o "efeito de cocktail", apesar de sabermos que um quarto dos nossos alimentos contêm resíduos de, pelo menos, dois pesticidas. E as suas opiniões são baseadas no postulado de Paracelso, formulado no século XVI, que "é a dose que faz o veneno." No entanto, tudo indica que isso não é verdade para a classe de "disruptores endócrinos", produtos cujos efeitos são extremamente variáveis e dependentes das características do consumidor, e que não chegam até nós apenas em doses baixas, doses baixas que nunca foram testadas ...

Todas as boas perguntas já tinham sido colocadas há 50 anos ... mas, como no exemplo da Monsanto, a indústria tem trabalhado para fugir aos controlos sem se preocupar com as consequências. E continua a prevalecer a todos os níveis os produtos de síntese, em que as patentes e o comércio entram no seu modelo. Ao mesmo tempo, numerosos estudos científicos têm mostrado os benefícios de alimentos provenientes da agricultura tradicional, inclusive para prevenir e ajudar a curar doenças graves causadas por produtos químicos.»

domingo, 11 de janeiro de 2015

Estado do Ambiente em Portugal 2014

As imagens e textos que se seguem são extraídos do Relatório do Estado do Ambiente REA Portugal 2014 elaborado pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), e respeitam apenas a conclusões em alguns dos fatores analisados.

«"O estado do ambiente em Portugal tem evoluído favoravelmente em vários domínios, mas não é indiferente ao agravamento dos sinais de crise climática, à crescente pressão sobre os recursos que conduz à sua degradação e escassez, ou à ameaça de perda de biodiversidades. ... constatamos que se encontram várias dicotomias, combinando um já longo caminho percorrido com sucesso assinalável, a existência de um grande potencial baseado na existência de talentos, recursos naturais e infraestruturas, com problemas estruturais ainda significativos."

"... se considerarmos o estado das massas de água (superficiais e subterrâneas), a percentagem de massas de água com qualidade boa ou superior foi de 52%, de acordo com a avaliação efetuada em 2012, no âmbito do 1º ciclo de planeamento dos Planos e Gestão das Regiões Hidrográficas (PGRH) - ainda muito longe dos 100% estipulados pela Diretiva-Quadro da Água para 2015."


"Relativamente ao sector da energia, se por um lado dispomos de uma grande diversidade e abundância de recursos energéticos renováveis e apresentamos uma das mais altas taxas de produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis da Europa, de 56,2% em 2013, e uma incorporação de renováveis no consumo final bruto de energia de 24,6% em 2012; por outro lado apresentamos uma elevada dependência energética do exterior, 71.5% em 2013, o que, apesar de ser o mais baixo dos últimos 20 anos, não deixa de ser preocupante..."





"O sector dos transportes continua a ser um dos sectores de atividade com maior consumo de energia, sendo clara a necessidade de promover uma mudança de paradigma energético que reduza profundamente a dependência de combustíveis fósseis e garanta uma drástica redução das emissões e GEE. Os transportes continuam a ser também uma das principais fontes de emissões, representando 24.7% do total das emissões de GEE em Portugal em 2012, enquanto na UE-28 o mesmo sector representa 19.7%.


No entanto, uma análise das emissões de gases com efeito de estufa por unidade de PIB permite verificar que, a partir de 2005, se iniciou um processo de "descarbonização" da economia... . Portugal situa-se entre os países com melhor desempenho na emissão de CO2, revelando, em 2012, uma das mais baixas capitações entre os países da UE-28 ... . Portugal foi considerado o quarto melhor país do mundo em política climática, de acordo com o Climate Change Performance Index (CCPA)."



"No sector dos resíduos, apesar de terem sido eliminadas as lixeiras, em 2013 a deposição em aterro continua a ser a principal gestão de resíduos urbanos (43%), seguindo-se a valorização energética (22%), o tratamento mecânico e biológico (17%), a valorização material (9%), o tratamento mecânico (7%) e a valorização orgânica (2%). No entanto, relativamente a 2012 verificou-se uma redução de 12% dos resíduos urbanos depositados em aterro, sendo que a produção total de resíduos urbanos em Portugal continental diminuiu cerca de 4% face ao ano anterior. Os resíduos de embalagens apresentaram também uma tendência positiva com todos os materiais a atingir, em 2013, uma taxa de reciclagem superior á meta imposta para 2011, com exceção do vidro, que ficou muito próximo de alcançar a meta."


"... Portugal é um dos países europeus mais ricos em biodiversidade. ... . Em 2013 foi criada uma nova área Protegida de âmbito regional, designado "Parque Natura Regional do Vale do Tua", por iniciativa intermunicipal das Associações de Municípios do Vale do Douro Norte e a Terra Quente Transmontana. A Rede Natura e as Áreas Protegidas incidem atualmente sobre 22% do território português."



"Nos últimos anos, foi feito um grande esforço para apoiar práticas agrícolas ou florestais que contribuam para a melhoria do ambiente e conservação de recursos (água, solo, ar) de forma articulada com uma produção agrícola sustentável e competitiva. Este esforço traduziu-se, entre outros aspetos, no aumento considerável da área agrícola em modo de produção biológica (MPB), que passou de 0.2% para 6.1% do total da Superfície Agrícola Utilizada (SAU), entre 1994 e 2012; e na diminuição da utilização de produtos fitofarmacêuticos, cuja venda por unidade SAU registou o valor de 3,5 kg por hectare em 2012, o que corresponde a uma redução de cerca de 10% em relação ao ano anterior. ..."


"... Em 2013, na União Europeia, a área de cultivo de milho geneticamente modificado, a única cultura (GM) autorizada para cultivo na UE, aumentou cerca de 15.2% face ao ano anterior. No entanto, Portugal viu a sua área de produção de culturas geneticamente modificadas diminuir, em 2013, cerca de 12% em relação a 2012."


"Outro risco que tem grande impacto no ambiente nacional prende-se com os incêndios ocorridos em Portugal continental. Em 2013, contabilizaram-se 19291 ocorrências, resultando em cerca de 152 756 hectares de área ardida, dos quais 36.4% em povoamentos florestais e 63.6% em matos. Relativamente ao ano anterior arderam mais 42 524 hectares, o que se traduziu num acréscimo de 38.6% no total de área ardida."



"É ainda de destacar a diminuição do valor dos impostos com relevância ambiental em Portugal, em 2013, que se situou nos 4 494 milhões de euros, revelando uma diminuição de 10.7% relativamente a 2012 e representando o valor mais baixo desde 2006. Foi recentemente aprovada pela Assembleia da República uma proposta de Lei da Reforma da Fiscalidade Verde, que tem como objetivo "promover um novo enquadramento fiscal e parafiscal, através do desenvolvimento de mecanismos que permitam a internalização das externalidades ambientais", numa base de neutralidade fiscal."»



[Nota: posteriormente ao REA 2014 foi publicada a Lei 82-D/2014 de 31/12, que procede à alteração das normas fiscais ambientais nos setores da energia e emissões, transportes, água, resíduos, ordenamento do território, florestas e biodiversidade, introduzindo ainda um regime de tributação dos sacos de plástico e um regime de incentivo ao abate de veículos em fim de vida, no quadro de uma reforma da fiscalidade ambiental]

«Verificou-se que, para a Europa, o risco da crescente competição por recursos é claro, uma vez que a economia europeia é estruturalmente dependente de recursos importados. Restringindo a análise ao recurso que mais contribui para esta dependência, a energia, é de salientar que Portugal se enquadra na realidade europeia de dependência energética do exterior (7.º país da UE com maior dependência energética em 2012). No entanto, dispões de uma grande diversidade e abundância de recursos energéticos renováveis, que pretende continuar a utilizar para diminuir esta dependência.

Por outro lado, de acordo com o 5º Relatório do Painel Intergovernamental para as Atlerações Climáticas (IPCC), Portugal será substancialmente mais afetado do que a média europeia pelas consequências das alterações climáticas, nomeadamente no que diz respeito à erosão costeira resultante de fenómenos climáticos extremos ou aos impactos associados ao aumento do risco de ocorrência de incêndios florestais,»


Outros indicadores: 

Aceda aqui ao documento.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Somos todos sementes



Mensagem de Vandana Shiva para 2015 - o Ano Internacional do Solo


«Quero saudar-vos no ano que começa. Um ano que foi declarado o Ano do Solo, o ano das nossas própria fundações, das nossas próprias raízes; O ano em que as sementes que semeamos de esperança e amor, das sementes que semeamos de abundância e criatividade, são as sementes que se multiplicam e mostram o caminho a seguir, não só para cada um de nós, mas também para o mundo que relutantemente continua cego. E no Ano do Solo, celebremos as conexões entre a Mãe Terra e de nós mesmos; Afinal, somos feito de terra - somos feitos de solo.
...
Não vamos permitir que as corporações convençam toda a gente de que são "pessoas". As corporações são construções jurídicas, é esse o seu lugar. As pessoas, através de processos democráticos, deram-lhes permissão para atividade económica que seja sustentável, justa e que respeita a dignidade da vida neste planeta, a vida de todos os seres vivos e dos seres humanos.  Quando as corporações processam estados, como o Estado de Vermont (EUA) ou o Condado de Maui (Havai, EUA), porque Maui disse "Queremos ser livres de OGM" e porque Vermont disse "Queremos saber o que comemos", usando o argumento de as corporações serem pessoas, isto são ilusões atingindo o pico mais alto. Vamos criar uma realidade com as regras da realidade, a realidade dos processos ecológicos da vida no planeta, a realidade das nossas vidas, a realidade da democracia a que damos forma. Este desafio da democracia será o mais importante de 2015. Estejamos unidos, fortes e alegres.

...
Vamos continuar a criar um outro mundo que estamos semeando, semente a semente, centímetro a centímetro de solo, pessoa a pessoa, comunidade a comunidade, até que todos neste planeta sejam abraçados num círculo, numa vida que ressurge e num amor ressurgente. Nós não vamos desistir.»

Vandana Shiva, "We Are All Seeds"