sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Elixires da Morte (Primavera Silenciosa)

Primavera Silenciosa (1962), mais do que um livro imprescindível sobre a contaminação ambiental por pesticidas, é um marco e uma referência na história da consciência ambiental que aparece como reação a décadas de irresponsabilidade ambiental e ética. E Rachel Carson (bióloga, 1907-1964), a sua autora, uma mulher informada e corajosa que sabia o que enfrentaria quando decidiu publicar o livro, fruto das suas intensas pesquisas e de uma vida dedicada à natureza.

Imagem obtida em Biowit
"Pela primeira vez na história do mundo, cada um dos seres humanos está agora sujeito a entrar em contacto com substâncias químicas perigosas, desde o momento em que é concebido, até ao instante em que a sua morte ocorre. Em menos de dois decénios do seu uso, os pesticidas sintéticos foram tão intensamente distribuídos pelo mundo - seja pelo mundo animado, seja pelo mundo inanimado - que eles aparecem virtualmente por toda a parte. 

Tais pesticidas foram encontrados e retirados da maior parte dos grandes sistemas fluviais, e até mesmo de cursos de água que fluem, sem ser vistos por nós, através da Terra, por vias subterrâneas. Os resíduos das referidas substâncias químicas permanecem no solo ao qual talvez tenham sido aplicadas uma dúzia de anos antes. Elas entraram e alojaram-se no corpo dos peixes, dos pássaros, dos répteis, dos animais domésticos e dos animais selvagens; e o fizeram tão universalmente, que os cientistas que efetuam experiências animais verificam que se torna quase impossível localizar exemplares que sejam de todo livres de semelhante contaminação. 

Essas substâncias foram encontradas até em peixes de remotos lagos existentes em topos de montanhas - até em minhocas que perfuram o solo - nos ovos dos pássaros e no próprio homem. E isto porque as mencionadas substâncias estão agora armazenadas no corpo da vasta maioria dos seres humanos, independentemente da sua idade. Elas aparecem no leite das mães, e, com toda a probabilidade, também nos tecidos dos bebés ainda não nascidos."

Rachel Carson, em "Primavera Silenciosa", 1962. Adaptado da 2ª edição Brasileira (parte inicial do capítulo 3: "Elixires da Morte"), cuja versão integral está disponível para descarregar em http://biowit.files.wordpress.com/2010/11/primavera_silenciosa_-_rachel_carson_-_pt.pdf

Imagem obtida em Campo Aberto
Cinco decénios depois, em 2012, a Campo Aberto - Associação de Defesa da Natureza, editou a versão portuguesa do belo livro "Maravilhar-se, Reaproximar a Criança da Natureza", de Rachel Carson, 1956, em homenagem à Autora pelos 50 anos de "Primavera Silenciosa". Na parte final do anexo "Rachel Carson: Síntese de uma Vida", J. C. Costa Marques/ Campo Aberto escreve: 

"Embora os adversários de Primavera Silenciosa tivessem continuado a atacar o livro e a promover o uso indiscriminado de pesticidas, embora, ao longo de meio século que nos separa já da primeira edição, nunca como antes se tenham fabricado e utilizado quantidades tão colossais de pesticidas e de herbicidas, a questão ficou definitivamente equacionada em termos diferentes dos existentes até então.

A política oficial atual da União Europeia, por exemplo, embora longe de uma aplicação consequente e generalizada, o que suscita as críticas das organizações de defesa do ambiente, reconhece apesar disso que a proteção integrada deverá primar sobre o uso de pesticidas. Em todo o mundo, a consciência pública , embora ainda muito manipulada, sabe que os pesticidas são mais um problema que uma solução. E por toda a parte, chame-se-lhe agricultura orgânica, biológica, ecológica, natural, ou sustentável, numerosos agricultores e movimentos organizados, embora ainda minoritários, procuram devolver à terra  e à Terra a saúde e equilíbrio que o uso indiscriminado de químicos lhes vêm retirando sobretudo ao longo dos últimos cem anos."


3 comentários:

  1. Os "pesti-ticidas" estão conectados com a "peste e autocidas" o que leva a pensar na opção do suicídio consciente pela sua passiva utilização.
    Muitos não querem saber porque não querem consciência, é contudo preocupante que, apesar de haver cada vez mais informação, estes produtos tem vindo a aumentar. Claro com outras aplicações mais diversificadas... estaremos nós com a sede do combate a provocar essa depressão?

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    1. Obrigada, Paulo Lima pelo comentário.
      Depois de muito ativismo para combater um produto (como foi o caso do DDT), acabam por verificar que afinal fazia mesmo muito mal...
      Depois, aparece outro.... agora é o glifosato...

      Peço desculpa o atraso na publicação, não me estavam a chegar os comentários, só agora me apercebi.

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