quinta-feira, 25 de outubro de 2012

"Nada indica que precisamos de OGM para alimentar o mundo"

Depois da notícia de que "Alimentar o mundo sem pesticidas é possível", como conclui a jornalista e documentarista francesa Marie-Monique Robin, que percorreu o mundo para ouvir as opiniões de especialistas - de camponeses a engenheiros agrónomos (ver artigo em Zona Livre de OGM), investigadores afirmam que "Transgénicos não são solução para alimentar o mundo".

Infografia obtida aqui
O artigo intitulado "La faim dans le monde, alibi pour le développement des OGM" veio publicado no jornal Liberation, em 18 de Outubro, e abaixo deixo traduzido (tradução minha, assim como os negritos e os  links):

«A fome no mundo, alibi para o desenvolvimento dos OGM

Enquanto o Comité de Segurança Alimentar (FAO) se reuniu em Roma, esta semana, agrónomos e especialistas afirmam que os transgénicos não são uma solução para alimentar a humanidade.

Por: FRANÇOIS AFFHOLDER, investigador e agrónomo do Cirad (Centro de Cooperação Internacional de Pesquisa Agrícola para o Desenvolvimento); NICOLAS BRICAS, pesquisador e responsável pela missão sobre segurança alimentar no Cirad; BENOÎT DAVIRON, pesquisador em economia política no Cirad, EVE FOUILLEUX, diretora de pesquisas do CNRS

Os debates suscitados pela recente publicação de Séralini e seus colegas foram um pretexto para apresentar os OGM como uma potencial solução para a fome no mundo. Como agrónomos e especialistas em questões de segurança alimentar, não podemos deixar crer que os OGM são a maneira de alimentar a humanidade, seja ela de 9 mil milhões em 2050, ou 12 mil milhões em cenários mais pessimistas.

Na primeira linha dos benefícios esperados pelos OGM é destacada a sua potencial contribuição para o aumento da produção. Isto levanta a primeira questão: o problema da fome no mundo é realmente um problema de produção insuficiente? Como demonstrado por numerosos estudos sobre a insegurança alimentar, o problema é essencialmente o acesso aos alimentos pelos indivíduos, isto é, o acesso à terra ou aos rendimentos, e uma questão de democracia, muito antes de um problema de quantidade produzida. Os níveis de produção atuais já são suficientes para alimentar o mundo. Em média, é produzido por dia o equivalente a 4.972 calorias por habitante em todo o mundo na forma de colheitas, mas apenas cerca de metade (2.468 calorias por dia por habitante, em média) chega aos pratos dos consumidores do mundo. Grande parte dos alimentos produzidos são usados na pecuária intensiva, são transformads em biocombustíveis ou são desperdiçado, seja após a colheita, nos supermercados ou nas casas (1).

Uma segunda questão surge: são os OGM uma solução para produzir mais em países afetados pela insegurança alimentar? Observações nos campos dos agricultores de países em desenvolvimento mostram que os rendimentos obtidos não são limitados pelas características de espécies e das variedades que aí cultivam, mas principalmente pela reduzida utilização de fertilizantes orgânicos e minerais. Muitas vezes, é a falta de fertilização que promove a infestação das cultura por ervas daninhas e as torna suscetíveis às doenças. Portanto, já seria possível aumentar esses rendimentos simplesmente implementando os princípios clássicos de agronomia: a gestão da fertilidade do solo e rotação de culturas. Poder-se-ia mesmo ir mais longe na melhoria da produção com um melhor controle do funcionamento interno dos ecossistemas cultivados, sobretudo aproveitando as sinergias que existem entre as espécies biológicas, ao serviço de uma produção eficiente com baixo recurso a fertilizantes e pesticidas. Outras margens de manobra são igualmente importantes na gestão da água ou na melhoria do armazenamento pós-colheita.

Terceira pergunta: se já existem as tecnologias para aumentar a produtividade nessas áreas, por que não estão a ser implementadas por agricultores pobres? Precisamente porque eles são pobres e não dispõe do mínimo de recursos para investir na fertilidade dos seus solos em instalações para fazer melhor uso da água, em meios de armazenamento mais eficientes. De um modo geral, eles não têm a capacidade financeira que lhes permite, como fazem os agricultores dos países industrializados, para visar objetivos de produção elevados, remuneradoras da proteção contra o risco que estes objectivos implicam. Os mercados a que potencialmente podem aceder não pagam o suficiente pelo seu trabalho ou investimentos, ou são demasiado incertos, para poderem ter um efeito de incentivo. Além disso, o acesso ao crédito é muitas vezes difícil ou impossível.

Finalmente, as soluções mencionadas aqui provavelmente veriam os seus efeitos reforçados através do uso de variedades de plantas melhoradas, mas, mais uma vez, por outras técnicas disponíveis que não os OGM. As variedades melhoradas através da “clássica” seleção e/ou hibridização podem estar associadas a alterações no sistema de cultivo permitindo ajudar a aumentar a produção. Embora possa parecer antiquado para alguns, o clássico melhoramento das sementes tem uma dupla vantagem: é mais acessível para a maioria dos países do mundo e mais flexível para se adaptar às culturas numa multitude de contextos locais. Nada indica que precisamos de OGM para alimentar o mundo. No entanto, temos de dedicar tempo a pesquisar para pesar as vantagens, desvantagens e riscos, e colocar claramente a questão dos contextos económicos, políticos e sociais em que estas novas tecnologias estão mobilizadas.

(1) Fonte: Dorin B., 2012. Atualização para 2007 pelas estimativas publicadas em “Paillard S., Tréyer S., Dorin B. (Dir.), 2010. Agrimonde: scenarios et défis pour nourrir le monde en 2050, Quae, Versailles”»

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