segunda-feira, 11 de junho de 2012

"Economia verde versus Economia solidária " - Leonardo Boff

Leonardo Boff é uma das vozes que vem "gritando" contra o sistema económico e social de hoje, contra o capitalismo predatório de recursos naturais que enfraquece as sociedades humanas, contra a criminosa distribuição de riqueza que o sistema implica, e que tem defendido que só há futuro para a humanidade se mudarmos de era: se passarmos da era antropozoica para a era ecozoica.

Mas não é com a "economia verde" assente no mesmo sistema de capitalismo predatório e injusto que vamos lá.  A poucos dias da Cimeira Rio+20, depois da opinião de Vandana Shiva e da Campanha das Sementes Livres, não podia aqui faltar a crítica de Leonardo Boff sobre  o Documento Zero da ONU para a Rio+20 e sobre o futuro que realmente queremos:

Imagem obtida em envolverde
«Economia verde versus Economia solidária  (04/06/2012)

por Leonardo Boff

O Documento Zero da ONU para a Rio+20 é ainda refém do velho paradigma da dominação da natureza para extrair dela os maiores benefícios possíveis para os negócios e para o mercado. Através dele e nele o ser humano deve buscar os meios de sua vida e subsistência. A economia verde radicaliza esta tendência, pois como escreveu o diplomata e ecologista boliviano Pablo Solón “ela busca não apenas mercantilizar a madeira das florestas mas também sua capacidade de absorção de dióxido de carbono”. Tudo isso pode se transformar em bonos negociáveis  pelo mercado e pelos bancos. Destarte o texto se revela definitivamente  antropocêntrico como se tudo se destinasse ao uso exclusivo dos humanos e a Terra tivesse criado somente a eles e não a outros seres vivos que exigem também sustentabilidade das condições ecológicas para a sua permanência neste planeta.


Resumidamente: “O futuro que queremos”, lema central do documento da ONU, não é outra coisa que o prolongamento do presente. Este  se apresenta ameaçador e nega um futuro de esperança. Num contexto destes, não avançar é retroceder e fechar as portas para o novo.


Há outrossim um agravante: todo o texto gira ao redor da economia. Por mais que a pintemos de marron ou de verde, ela guarda sempre sua lógica interna que seformula nesta pergunta: quanto posso ganhar no tempo mais curto, com o investimento menor possível, mantendo forte a concorrência? Não sejamos ingênuos: o negócio da economia vigente é o negócio. Ela não propõe uma nova relação para com a natureza, sentindo-se parte dela e responsável por sua vitalidade e integridade. Antes, move-lhe uma guerra total, como denuncia o filósofo da ecologia Michel Serres. Nesta guerra nãopossuimos nenuma chance de vitória. Ela ignora nossos intentos. Segue seu curso mesmo sem a nossa presença. Tarefa da inteligência é decifrar o que ela nosquer dizer (pelos eventos extremos, pelos tsunamis etc), defender-nos de efeitos maléficos e colocar suas energias a nosso favor. Ela nos oferece informações mas não nos dita comportamentos. Estes devem se inventados por nós mesmos. Eles somente serão  bons caso estiverem  em conformidade com seus ritmos e ciclos.


Como alternativa a esta economia de devastação, precisamos, se queremos ter futuro, opor-lhe outro paradigma de economia de preservação, conservação e sustentação de toda a vida. Precisamos produzir sim, mas a partir dos bens e serviços que a natureza nos oferece gratuitamente, respeitando o alcance e os limites de cada  bioregião, destribuindo com equidade os frutos alcançados, pensando nos direitos das gerações futuras e nos demais seres da comunidade de vida. Ela ganha corpo hoje através da economia biocentrada, solidária, agroecológica, familiar e orgânica. Nela cada comunidade busca garantir  sua soberania alimentar. Produz o que consome, articulando produtores e consumidores numa verdadeira democracia alimentar.


A Rio 92 consagrou o conceito antropocêntrico e reducionista de desenvolvimento sustentável, elaborado pelo relatório  Brundland de 1987 da ONU. Ele se transformou num dogma professado pelos documentos oficiais, pelos Estados e empresas sem nunca ser submetido a uma crítica séria. Ele sequestrou a sustentabilidade só para  seu campo e assim distorceu as relações para com a natureza. Os desastres que causava nela, eram vistos como externalidades que não cabia considerar. Ocorre que estas se tornaram ameaçadoras, capazes de destruir as bases físico-químicas que sustentam a vida humana e grande parte da biosfera.


Isso não é superado pela economia verde. Ela configura uma armadilha dos países ricos, especialmente da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) que produziu o texto teórico do PNUMA Iniciativa da Economia Verde. Com isso, astutamente  descartam a discussão sobre a sustentabilidade, a injustiça social e ecológica, o aquecimento global, o modelo econômico falido e mudança de olhar sobre o planeta  que possa projetar um  real futuro para a Humanidade e para a Terra.


Junto com a Rio+20 seria um ganho  resgatar também a Estocolmo+40. Nesta primeira conferência mundial da ONU de 5-15 de julho de1972 em Estocolmo na Suécia  sobre o Ambiente Humano, o foco central não era o desenvolvimento mas o cuidado e a responsabilidade coletiva por tudo o que nos cerca e que está em acelerado processo de degradação, afetando a todos e especialmente aos países pobres. Era uma perspectiva humanística e generosa. Ela se perdeu com a cartilha fechada do desenvolvimento sustentável e agora com a economia verde.»

Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com/2012/06/04/economia-verde-verus-economia-solidaria/ (os links e os negritos fui eu que coloquei)

7 comentários:

  1. Li e recomendo a leitura do documento a que se refere o link "crítica de Leonardo Boff" quero destacar do seu texto a passagem que é um alerta: "Por mais que a pintemos de marron ou de verde, ela guarda sempre sua lógica interna que seformula nesta pergunta: quanto posso ganhar no tempo mais curto, com o investimento menor possível, mantendo forte a concorrência? Não sejamos ingênuos: o negócio da economia vigente é o negócio. Ela não propõe uma nova relação para com a natureza, sentindo-se parte dela e responsável por sua vitalidade e integridade"

    A alternativa colocada é, de facto, a mudança de paradigma...

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  2. E única alternativa. E só cada um de nós pode começar esta mudança. Nenhum governo a implementará.

    Estas cimeiras/reuniões só servem mesmo para gastos desnecessários. E se eu estivesse na pele de alguns dos convidados, não lá poria os pés.
    Na minha reducionista visão, é começar a viver de maneira mais independente. Podemos ir implementando mudanças no nosso estilo de vida. Penso que quando passamos (mentalmente) para este outro lado, aparecem muitas sugestões, é uma questão de pô-las em acção.

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  3. Olá a todos...

    Rio+20... Rio-20... COP16... COP17... COP124!! Enfim... Cimeiras e mais Cimeiras e mais convívios é coisa que realmente não falta...

    E o objectivo é CLARO e EVIDENTE... Pelo menos para os que querem ver a realidade tal como ela é... E o objectivo é sempre o MESMO

    Pois sem dinheiro, muito dinheiro... Não há verde que resista... Não há ecossistemas que sobrevivam...

    Aliás basta olhar para nós animais humanos... Se não sobrevivemos sem BANCOS/DINHEIRO... Como esperar que todos os outros animais se consigam safar?!? Claro que não vão conseguir!

    Qualquer dia ainda aparece por aí um Banco a fazer uma "Conta Poupança Animal de Estimação" para ser utilizada pelos animais de estimação quando os donos morrem ou os abandonam... Só por esta ideia já vi que passei ao lado de uma genial carreira no SISTEMA MONETÁRIO!!!

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  4. E já que estamos a falar sobre "economia verde"... Que tal ESTA?!?!... Para "economia verde ogm"... Está do melhor!
    Resta esperarmos pelo processo que a MONSANTO vai entregar no tribunal suíço... É que alguém tem que lhes pagar... Se forem terrenos públicos, melhor, pagam os contribuintes!

    A "economia verde" em todo o seu esplendor "verde ogm"

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  5. Olá Rogério

    Ou a mudança de paradigma ou continuamos na mesma, qualquer que seja a cor que escolham para a maquilhagem

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  6. Olá aNaTureza

    Estas cimeiras representam de facto gastos excessivos face aos resultados diminutos ou incipientes que delas resultam.

    Pelo menos, julgo que trazem a discussão à baila e um pouco mais de "consciencialização"

    Mas a verdade é que as mudanças tem de ocorrer de baixo para cima, porque de cima para baixo, só se vêem mudanças no mau sentido!

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  7. Olá Voz

    Também chamaram de "revolução verde" a agricultura dos venenos... e isto dos OGM é o seu prolongamento...

    Maldita ganância...

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