segunda-feira, 18 de junho de 2012

Curar não dá lucro

A entrevista a Richard J. Roberts (abaixo transcrita ), premiado com o Nobel da Medicina em 1993, foi publicada há cerca de um ano no Vanguardia . Mas julgo que continua oportuno divulgá-la. Porque o capitalismo é insustentável e para que se saiba do que a indústria é capaz! Neste caso, trata-se da farmacêutica, mas o mesmo sistema funciona em outras indústrias, como por exemplo, dos agroquímicos e dos transgénicos - o objetivo é o lucro, a qualquer preço!


Richard J. Roberts. Foto de Wally Hartshorn (obtida aqui)
"As farmacêuticas bloqueiam medicamentos que curam, porque não são rentáveis"

«O Prémio Nobel da Medicina Richard J. Roberts denuncia a forma como funcionam as grandes farmacêuticas dentro do sistema capitalista, preferindo os benefícios económicos à saúde, e detendo o progresso científico na cura de doenças, porque a cura não é tão rentável quanto a cronicidade.


Há poucos dias, foi revelado que as grandes empresas farmacêuticas dos EUA gastam centenas de milhões de dólares por ano em pagamentos a médicos que promovam os seus medicamentos. Para complementar, reproduzimos esta entrevista com o Prémio Nobel Richard J. Roberts, que diz que os medicamentos que curam não são rentáveis e, portanto, não são desenvolvidos por empresas farmacêuticas que, em troca, desenvolvem medicamentos cronificadores que sejam consumidos de forma serializada. Isto, diz Roberts, faz também com que alguns medicamentos que poderiam curar uma doença não sejam investigados. E pergunta-se até que ponto é válido e ético que a indústria da saúde se reja pelos mesmos valores e princípios que o mercado capitalista, que chega a assemelhar-se ao da máfia.


A investigação pode ser planeada?
Se eu fosse Ministro da Saúde ou o responsável pelas Ciência e Tecnologia, iria procurar pessoas entusiastas com projectos interessantes; dar-lhes-ia dinheiro para que não tivessem de fazer outra coisa que não fosse investigar e deixá-los-ia trabalhar dez anos para que nos pudessem surpreender.
Parece uma boa política.
Acredita-se que, para ir muito longe, temos de apoiar a pesquisa básica, mas se quisermos resultados mais imediatos e lucrativos, devemos apostar na aplicada ...
E não é assim?
Muitas vezes as descobertas mais rentáveis foram feitas a partir de perguntas muito básicas. Assim nasceu a gigantesca e bilionária indústria de biotecnologia dos EUA, para a qual eu trabalho.
Como nasceu?
A biotecnologia surgiu quando pessoas apaixonadas começaram a perguntar-se se poderiam clonar genes e começaram a estudá-los e a tentar purificá-los.
Uma aventura.
Sim, mas ninguém esperava ficar rico com essas questões. Foi difícil conseguir financiamento para investigar as respostas, até que Nixon lançou a guerra contra o cancro em 1971.
Foi cientificamente produtivo?
Permitiu, com uma enorme quantidade de fundos públicos, muita investigação, como a minha, que não trabalha directamente contra o cancro, mas que foi útil para compreender os mecanismos que permitem a vida.
O que descobriu?
Eu e o Phillip Allen Sharp fomos recompensados pela descoberta de introns no DNA eucariótico e o mecanismo de gen splicing (manipulação genética).
Para que serviu?
Essa descoberta ajudou a entender como funciona o DNA e, no entanto, tem apenas uma relação indirecta com o cancro.
Que modelo de investigação lhe parece mais eficaz, o norte-americano ou o europeu?
É óbvio que o dos EUA, em que o capital privado é activo, é muito mais eficiente. Tomemos por exemplo o progresso espectacular da indústria informática, em que o dinheiro privado financia a investigação básica e aplicada. Mas quanto à indústria de saúde... Eu tenho as minhas reservas.
Entendo.
A investigação sobre a saúde humana não pode depender apenas da sua rentabilidade. O que é bom para os dividendos das empresas nem sempre é bom para as pessoas.
Explique.
A indústria farmacêutica quer servir os mercados de capitais ...
Como qualquer outra indústria.
É que não é qualquer outra indústria: nós estamos a falar sobre a nossa saúde e as nossas vidas e as dos nossos filhos e as de milhões de seres humanos.
Mas se eles são rentáveis investigarão melhor.
Se só pensar em lucros, deixa de se preocupar com servir os seres humanos.
Por exemplo...
Eu verifiquei a forma como, em alguns casos, os investigadores dependentes de fundos privados descobriram medicamentos muito eficazes que teriam acabado completamente com uma doença ...
E por que pararam de investigar?
Porque as empresas farmacêuticas muitas vezes não estão tão interessadas em curar as pessoas como em sacar-lhes dinheiro e, por isso, a investigação, de repente, é desviada para a descoberta de medicamentos que não curam totalmente, mas que tornam crónica a doença e fazem sentir uma melhoria que desaparece quando se deixa de tomar a medicação.
É uma acusação grave.
Mas é habitual que as farmacêuticas estejam interessadas em linhas de investigação não para curar, mas sim para tornar crónicas as doenças com medicamentos cronificadores muito mais rentáveis que os que curam de uma vez por todas. E não tem de fazer mais que seguir a análise financeira da indústria farmacêutica para comprovar o que eu digo.
Há dividendos que matam.
É por isso que lhe dizia que a saúde não pode ser um mercado nem pode ser vista apenas como um meio para ganhar dinheiro. E, por isso, acho que o modelo europeu misto de capitais públicos e privados dificulta esse tipo de abusos.
Um exemplo de tais abusos?
Deixou de se investigar antibióticos por serem demasiado eficazes e curarem completamente. Como não se têm desenvolvido novos antibióticos, os microorganismos infecciosos tornaram-se resistentes e hoje a tuberculose, que foi derrotada na minha infância, está a surgir novamente e, no ano passado, matou um milhão de pessoas.
Não fala sobre o Terceiro Mundo?
Esse é outro capítulo triste: quase não se investigam as doenças do Terceiro Mundo, porque os medicamentos que as combateriam não seriam rentáveis. Mas eu estou a falar sobre o nosso Primeiro Mundo: o medicamento que cura tudo não é rentável e, portanto, não é investigado.
Os políticos não intervêm?
Não tenho ilusões: no nosso sistema, os políticos são meros funcionários dos grandes capitais, que investem o que for preciso para que os seus boys sejam eleitos e, se não forem, compram os eleitos.
Há de tudo.
Ao capital só interessa multiplicar-se. Quase todos os políticos, e eu sei do que falo, dependem descaradamente dessas multinacionais farmacêuticas que financiam as campanhas deles. O resto são palavras…»

Fonte: Esquerda.net (tradução de Ana Bárbara Pedrosa)

E para quem quiser ir mais a fundo no tema, leia a entrevista à ex-médica Ghislaine Lanctot sobre o seu livro a Máfia Médica. Se é teoria da conspiração ou se há conspiração mesmo, fica ao seu critério.

6 comentários:

  1. Olá a Todos!

    Mas ele há sempre os crentes... Na Máfia claro!!!

    Para dar um pequeno ar de leveza e boa disposição... que é para não dizerem que sou sempre bota-a-baixo!

    "Se fizermos ciclos suficientes de PCR até conseguimos obter um sinal de elefantes cor-de-rosa em água!"
    E viva a ciência sob a SOMBRA DO SISTEMA MONETÁRIO!

    Já li o Livro da Herege e recomendo (eu a recomendar ler livros... como isto anda, e pior, onde isto vai parar!!!)

    Bjs e Abr

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  2. Olá Voz

    Com esta tinha a certeza que aqui vinha trazer um pouco de boa disposição :)

    Onde isto vai parar??? Acho que desconfiamos...

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  3. eheheh... Pois desconfiamos!!!

    Mas agora que reli a piada acho que para a maioria dos leitores se calhar vai passar ao lado...

    A ver vamos!

    voz a 0 db

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  4. Ainda há uns dias estive a falar com um amigo delegado de propaganda médica e ele contou-me coisas alucinantes:

    - em alguns hospitais, por recomendação estatal, deixaram de utilizar um produto de imunoterapia no tratamento de osteossarcomas por causa do preço...

    - os médicos já não estão autorizados a usar produtos mais caros mas mais seguros, tendo que usar a alternativa mais barata, inclusivamente em pediatria - deu-me o exemplo dum medicamento que pode potenciar insuficência renal se houver predisposição ou se agravá-la se ainda não tiver sido diagnosticada...

    E tudo isto por causa do lucro, por quererem fazer dinheiro com a saúde, algo inconcebível!
    Faz-me lembrar os livros do Robin Cook que devorei na adolescência enquanto pensava "Ainda bem que cá em Portugal não é assim!". Mal eu sabia...

    E as pessoas teimam em não perceber e em não querer mudar nada... Desde que Portugal vá avançando no Euro, a malta nem liga... :-S

    Voz a 0 db: Por aqui a piada não passou ao lado! ;-)

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  5. Terrível, nada que alguns já não saibam e que a maioria teima em fingir que são teorias da conspiração, pois obedecem que nem uns lindos (é que de tão mau, custa mesmo acreditar, mas está tudo a descoberto para quem liga pontos e procura informação.

    Voz, já sabes que é difícil passares ao lado com esse teu "estilo" :). O que pode acontecer é alguns não acharem piada a este teu humor negro, oops, real.

    SDaVeiga, acho que é necessário "ter estômago" ou outra coisa qualquer para continuar a ser delegado de propaganda médica, mas são escolhas.

    E que vontade tenho que as pessoas sejam tão curiosas como eu acerca do mundo onde vivem.

    beijinhos a todos e vá lá...gosto deste grito: VIVA A VIDAAAAAA!

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  6. Escreves bem aNaTureza... É mesmo "humor negro" pois a realidade é ela "própria negra"... E quem acredita que a realidade é cor-de-rosa, é porque andou a fazer ciclos de PCR em excesso... ihihih

    De uma coisa já tenho a certeza... Qual a diferença entre mim (voz a 0 db) e o bacano Richard J. Roberts? NENHUMA...

    Ele recebeu um NOBEL é para a população um perito, um técnico, um sábio da matéria

    Eu não recebi um NOBEL e sou para a população (que abuso apelidar população a umas quantas pessoas que leiam as sandices que escrevo na WWW!!!) um louco, um bota-a-baixo, um leigo, um pessimista...

    No entanto ambos afirmamos as mesmas coisas sobre a Máfia do Complexo Mafioso Médico-Farmacêutico e nem a VOZ dele a 45 db, nem a minha a 0 db produz qualquer tipo de efeito...

    No caso dele o facto dele decidir começar a mandar estas bocas, vai-lhe servir apenas para começar a ser excluído e excomungado da SEITA Médico-Farmacêutica...

    No meu caso, não me acontece patavina, pois afinal sou NADA, NICLES, BATATÓIDES!

    De resto faço a minha parte (muito pequena)... Já traduzi e coloquei legendas em português nos vídeos da última conferência da Rethinking AIDS, após falar com o caro David Crowe, e que se quiserem podem ver aqui. E pouco mais me resta fazer a não ser ir alertando para os estudos da treta que vão sendo elaborados com financiamento das Farmacêuticas lá no TEMPO... E ir escrevendo por lá sobre outros assuntos...

    Bjs e abr para todos

    voz a 0 db

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