domingo, 30 de outubro de 2011

Urge uma nova economia, e o futuro começa agora!

Participei ontem à tarde numa interessantíssima tertúlia na Associação Campo Aberto, sobre "Ruralidade sustentável e economia local". Para além das inspiradoras apresentações de Eng. ª Maria do Carmo Bica, da ANIMAR e da Dra. Ângela Abreu Guimarães da ADRL, da sábia moderação do Dr. José Carlos Marques, e das interessantes intervenções de diversos participantes, comprei lá um exemplar da versão portuguesa do livro de James Robertson: "Transformar a Economia - Desafio para o Terceiro Milénio", n.º 1 da Colecção "Cadernos Schumacher para a Sustentabilidade", Edições Sempre-em-Pé, 2007.

Partilho convosco uma parte da Introdução e Resumo deste pequeno e fantástico livro, que respeita aos Objectivos:

"Existe hoje uma grande variedade de actividades que reflectem o cada vez maior compromisso das pessoas perante um desenvolvimento centrado na pessoa humana e ecologicamente sustentável - novos estilos de vida, novas tecnologias, novas abordagens da gestão empresarial, e por aí fora. Do lado negativo, as formas convencionais de avaliar as decisões económicas e o progresso são objecto de profundos erros de concepção, tendo o actual sistema económico tendências intrínsecas a destruir o ambiente natural, a destruir a comunidade, a transferir riqueza dos pobres para os ricos, a marginalizar pessoas, comunidades e culturas, a desgastar e negar o sentido do espiritual ou do sagrado e a interiorizar a incapacidade e a vulnerabilidade.

Este Caderno toma essas realidades como ponto de partida, apontando para um futuro em que teremos maior capacidade de controlar o nosso destino económico e de fruir dos tesouros e bençãos da natureza de que todos dependemos. O caderno salienta algumas mudanças específicas que ajudarão a concretizar esse futuro.

Num futuro como esse, serão muitas as famílias e comunidades locais a produzir uma maior proporção, em comparação com a actual, das coisas de que necessitam, por exemplo, alimentos e energia. Dependerão mais de si próprias e umas das outras, e serão menos dependentes das grandes empresas e das instituições financeiras e serviços governamentais. Em especial, serão menos dependentes dos empregadores para organizar o seu trabalho e obter os seus rendimentos. Haverá mais pessoas a trabalhar mais tempo em casa e perto de casa.  No que respeita a outros objectivos, a comunicação poderá proporcionar uma alternativa à viagem. Haverá menos transporte de carga a longas distâncias já que a produção local para o consumo local se tornará a norma.  A educação preparará as pessoas não apenas para os empregos, mas para governarem a sua vida - incluindo a casa, a vida de família, o trabalho, o dinheiro e as suas funções e responsabilidades de cidadãos. A cidadania activa - local, nacional e mundial - desempenhará um maior papel do que hoje na vida de muita gente. Muitos terão da vida uma experiência mais saudável e menos geradora de tensões à medida que se vão tornando mais profundamente implicados nas suas comunidades locais e mais estreitamente ligados ao mundo natural.  Por meios que serão diferentes dos actuais, haverá mais pessoas que serão capazes de satisfazer as próprias necessidades - de subsistência, protecção, participação, estima, sentido, identidade, liberdade e auto-realização - sem impedirem outras pessoas de satisfazerem as suas."

O Dr. José Carlos Marques partilhou uma outra parte do livro através blogue O Economista Português, que recomendo a leitura. Para comprar o livro, vejam nesse site ou  aqui.

E que tal a ideia de bancos cooperativos, cujo objectivo não é o lucro mas ajudar as pessoas? Vejam abaixo o exemplo do banco JAK, na Suécia, ou o exemplo do banco Palmas, no Brasil,  no blogue Famalicão por um Mundo Melhor, que alia o microcrédito local a moeda local.


JAK Bank Report (2007) LEGENDADO PT (O Banco que não cobra juros!) from banco jak on Vimeo.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Matemáticos expõe rede capitalista

O texto que se segue é a transcrição de um artigo do site Inovação Tecnológica, por sua vez obtido a partir do News Scientists. "The network of global corporate control", de Stefania Vitali, James B. Glattfelder e, Stefano Battiston (19/09/2011) é a publicação científica que deu origem ao artigo, e pode ser encontrada no site http://arxiv.org/abs/1107.5728v2.

"Matemáticos revelam rede capitalista que domina o mundo

Imagem obtida em Inovação Tecnológica 
Além das ideologias
Conforme os protestos contra o capitalismo se espalham pelo mundo, os manifestantes vão ganhando novos argumentos.
Uma análise das relações entre 43.000 empresas transnacionais concluiu que um pequeno número delas - sobretudo bancos - tem um poder desproporcionalmente elevado sobre a economia global.
A conclusão é de três pesquisadores da área de sistemas complexos do Instituto Federal de Tecnologia de Lausanne, na Suíça.
Este é o primeiro estudo que vai além das ideologias e identifica empiricamente essa rede de poder global.
"A realidade é complexa demais, nós temos que ir além dos dogmas, sejam eles das teorias da conspiração ou do livre mercado," afirmou James Glattfelder, um dos autores do trabalho. "Nossa análise é baseada na realidade."

Rede de controle econômico mundial
A análise usa a mesma matemática empregada há décadas para criar modelos dos sistemas naturais e para a construção de simuladores dos mais diversos tipos. Agora ela foi usada para estudar dados corporativos disponíveis mundialmente.
O resultado é um mapa que traça a rede de controle entre as grandes empresas transnacionais em nível global.
Estudos anteriores já haviam identificado que algumas poucas empresas controlam grandes porções da economia, mas esses estudos incluíam um número limitado de empresas e não levavam em conta os controles indiretos de propriedade, não podendo, portanto, ser usados para dizer como a rede de controle econômico poderia afetar a economia mundial - tornando-a mais ou menos instável, por exemplo.
O novo estudo pode falar sobre isso com a autoridade de quem analisou uma base de dados com 37 milhões de empresas e investidores.
A análise identificou 43.060 grandes empresas transnacionais e traçou as conexões de controle acionário entre elas, construindo um modelo de poder econômico em escala mundial.

Poder econômico mundial
Refinando ainda mais os dados, o modelo final revelou um núcleo central de 1.318 grandes empresas com laços com duas ou mais outras empresas - na média, cada uma delas tem 20 conexões com outras empresas.
Mais do que isso, embora este núcleo central de poder econômico concentre apenas 20% das receitas globais de venda, as 1.318 empresas em conjunto detêm a maioria das ações das principais empresas do mundo - as chamadas blue chips nos mercados de ações.
Em outras palavras, elas detêm um controle sobre a economia real que atinge 60% de todas as vendas realizadas no mundo todo.
E isso não é tudo.

Super-entidade econômica
Quando os cientistas desfizeram o emaranhado dessa rede de propriedades cruzadas, eles identificaram uma "super-entidade" de 147 empresas intimamente inter-relacionadas que controla 40% da riqueza total daquele primeiro núcleo central de 1.318 empresas.
"Na verdade, menos de 1% das companhias controla 40% da rede inteira," diz Glattfelder.
E a maioria delas são bancos.
Os pesquisadores afirmam em seu estudo que a concentração de poder em si não é boa e nem ruim, mas essa interconexão pode ser.
Como o mundo viu durante a crise de 2008, essas redes são muito instáveis: basta que um dos nós tenha um problema sério para que o problema se propague automaticamente por toda a rede, levando consigo a economia mundial como um todo.
Eles ponderam, contudo, que essa super-entidade pode não ser o resultado de uma conspiração - 147 empresas seria um número grande demais para sustentar um conluio qualquer.
A questão real, colocam eles, é saber se esse núcleo global de poder econômico pode exercer um poder político centralizado intencionalmente.
Eles suspeitam que as empresas podem até competir entre si no mercado, mas agem em conjunto no interesse comum - e um dos maiores interesses seria resistir a mudanças na própria rede.

As 50 primeiras das 147 empresas transnacionais super conectadas
  1. Barclays plc
  2. Capital Group Companies Inc
  3. FMR Corporation
  4. AXA
  5. State Street Corporation
  6. JP Morgan Chase & Co
  7. Legal & General Group plc
  8. Vanguard Group Inc
  9. UBS AG
  10. Merrill Lynch & Co Inc
  11. Wellington Management Co LLP
  12. Deutsche Bank AG
  13. Franklin Resources Inc
  14. Credit Suisse Group
  15. Walton Enterprises LLC
  16. Bank of New York Mellon Corp
  17. Natixis
  18. Goldman Sachs Group Inc
  19. T Rowe Price Group Inc
  20. Legg Mason Inc
  21. Morgan Stanley
  22. Mitsubishi UFJ Financial Group Inc
  23. Northern Trust Corporation
  24. Société Générale
  25. Bank of America Corporation
  26. Lloyds TSB Group plc
  27. Invesco plc
  28. Allianz SE 
  29. TIAA
  30. Old Mutual Public Limited Company
  31. Aviva plc
  32. Schroders plc
  33. Dodge & Cox
  34. Lehman Brothers Holdings Inc* (dados de 2007)
  35. Sun Life Financial Inc
  36. Standard Life plc
  37. CNCE
  38. Nomura Holdings Inc
  39. The Depository Trust Company
  40. Massachusetts Mutual Life Insurance
  41. ING Groep NV
  42. Brandes Investment Partners LP
  43. Unicredito Italiano SPA
  44. Deposit Insurance Corporation of Japan
  45. Vereniging Aegon
  46. BNP Paribas
  47. Affiliated Managers Group Inc
  48. Resona Holdings Inc
  49. Capital Group International Inc
  50. China Petrochemical Group Company"

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Mudar de vida - aprender Permacultura

Imagem de Paredes em Transição
Neste mês de Outubro Ernst Gotsch veio do Brasil a Portugal para ensinar o que há mais de 25 anos tem praticado e desenvolvido: permacultura e agrofloresta. 

Dos dias 5 a 16 esteve no Sítio, em Mangualde, onde foi o tutor de dois cursos (iniciação e avançado) em Agrofloresta.  Sobre o que lá se passou, aconselho a verem a reportagem de Miguel Leal no blogue Paredes em Transição.

Esteve também na Quinta do Vale da Lama, Lagos, Algarve, onde se pratica e ensina Permacultura através do Instituto Português de Permacultura, bem como educação ambiental através do Projecto Novas Descobertas. Fica abaixo a recente reportagem na SIC. Mais sobre o Vale da Lama no programa da RTP Biosfera, aqui.

Entretanto, estão já abertas inscrições para um novo curso de Permacultura (PDC - Permaculture Design Course) no Vale da Lama, de 16 a 29 de Janeiro de 2012 (info@valedalama.net)
   

domingo, 23 de outubro de 2011

Bolívia - Cancelada auto-estrada pela Amazónia!

Foto Reuters, obtida aqui
Da Bolívia chega uma boa notícia - Evo Morales ouviu as populações indígenas (tipnis) que marcharam 600 km até La Paz, durante 65 dias, tendo cancelado a construção da estrada que atravessaria a Amazónia,

 Da Avaaz chega a mensagem, de 21/10/2011:

"O presidente Evo Morales acabou de cancelar a construção da rodovia que atravessaria a Amazônia, revogou a lei que garantia a permissão para o projeto e prometeu proteger o parque TIPNIS para sempre! Essa é uma enorme vitória para o povo indígena e para quase meio milhão de nós que os apoiaram, dando visibilidade internacional a essa proposta horrível e pressionando o Evo e seu governo a protegerem a Amazônia."

Mais sobre a notícia no Globo ou no Público.

Os indígenas preferem não aplaudir ainda - eles lá sabem! 

No Brasil, no entanto, são muito baixas as expectativas de defesa da Amazónia, estando já a avançar o processo de destruição de uma área enorme do pulmão do mundo para construir a barragem de Belo Monte, apesar dos frequentes e veementes protestos das populações indígenas. 

sábado, 22 de outubro de 2011

Música contra os sacos de plástico

"Plastic State of Mind" - uma versão de State of Mind, dedicada ao sacos de plástico ou a quem neles está viciado. Realizado por voluntários da Green Sangha.

Ando sempre com um saco de pano na carteira, pois normalmente compro os produtos frescos à vinda do trabalho. Quando preciso de comprar mais produtos, levo mais sacos. Ao comprar frutas e legumes, não os coloco cada um dentro do seu saco, mas numa cesta, e depois de pesados, vão directos para o saco de pano. De vez em quando esqueço-me, mas os sacos de plástico serão utilizados para o lixo, pois para isso, ainda não arranjei alternativa. Para o ecoponto, levo sacos próprios, que volto a trazer. 

Salvo alguns locais onde vou pela primeira vez, nos locais habituais já não fazem aquela cara de espanto por rejeitar os sacos de plástico. E até dizem: "que pena a maior parte das pessoas não fazer assim, mas felizmente, há cada vez mais pessoas a trazer o seu saco".

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Código florestal - Mensagens para os senadores brasileiros

Imagem obtida aqui
Está prevista para o próximo mês de Novembro a "aprovação" do novo código florestal brasileiro, que prevê a facilitação do desmatamento e a amnistia aos criminosos que têm vindo a destruir as florestas no Brasil. 

Será que os políticos no Brasil irão curar a surdez e ouvir as vozes dos famosos? Ou será que só têm "ouvidos "para os fazendeiros ricos e para os criminosos? Abaixo ficam cinco apelos, mas há muitos mais.










quinta-feira, 20 de outubro de 2011

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Uma questão matemática - Dylan Ratigan

O comentador Dylan Ratigan está zangado! Eu também estou! E você, não acha que andam a matar pulgas fazendo de conta que não vêem que o problema é o elefante onde elas estão?
 

Vídeo original ali, vídeo legendado obtido aqui.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

"A ilusão de uma economia verde" - por Leonardo Boff

Imagem obtida em EcoSaveWorld


A ilusão de uma economia verde

por Leonardo Boff, 16/10/2011

"Tudo o que fizermos para proteger o planeta vivo que é a Terra contra fatores que a tiraram de seu equilíbrio e provocaram, em conseqüência, o aquecimento global é válido e deve ser apoiado. Na verdade, a expressão “aquecimento global” esconde fenômenos como: secas prolongadas que dizimam safras de grãos, grandes inundações e vendavais, falta de água, erosão dos solos, fome, degradação daqueles 15 entre os 24 serviços, elencados pela Avaliação Ecossistêmica da Terra (ONU), responsáveis pela sustentabilidade do planeta (água, energia, solos, sementes, fibras etc).

A questão central nem é salvar a Terra. Ela se salva a si mesma e, se for preciso, nos expulsando de seu seio. Mas como nos salvamos a nós mesmos e a nossa civilização? Esta é real questão que a maioria dá de ombros, especialmente os que tratam da macroeconomia.

A produção de baixo de carbono, os produtos orgânicos, energia solar e eólica, a diminuição, o mais possível, de intervenção nos ritmos da natureza, a busca da reposição dos bens utilizados, a reciclagem, tudo que vem sob o nome de economia verde são os processos mais buscados e difundidos. E é recomendável que esse modo de produzir se imponha.

Mesmo assim não devemos nos iludir e perder o sentido critico. Fala-se de economia verde para evitar a questão da sustentabilidade que se encontra em oposição ao atual modo de produção e consumo. Mas no fundo, trata-se de medidas dentro do mesmo paradigma de dominação da natureza. Não existe o verde e o não verde. Todos os produtos contem nas várias fases de sua produção, elementos tóxicos, danosos à saúde da Terra e da sociedade. Hoje pelo método da Análise do Ciclo de Vida podemos exibir e monitorar as complexas inter-relações entre as várias etapas, da extração, do transporte, da produção, do uso e do descarte de cada produto e seus impactos ambientais. Ai fica claro que o pretendido verde não é tão verde assim. O verde representa apenas uma etapa de todo um processo. A produção nunca é de todo ecoamigável.

Tomemos como exemplo o etanol, dado como energia limpa e alternativa à energia fóssil e suja do petróleo. Ele é limpo somente na boca da bomba de abastecimento. Todo o processo de sua produção é altamente poluidor: os agrotóxicos aplicados ao solo, as queimadas, o transporte com grandes caminhões que emitem gases, as emissões das fábricas, os efluentes líquidos e o bagaço. Os pesticidas eliminam bactérias e expulsam as minhocas que são fundamentais para a regeneração os solos; elas só voltam depois de cinco anos.

Para garantirmos uma produção, necessária à vida, que não estresse e degrade a natureza, precisamos mais do que a busca do verde. A crise é conceptual e não econômica. A relação para com a Terra tem que mudar. Somos parte de Gaia e por nossa atuação cuidadosa a tornamos mais consciente e com mais chance de assegurar sua vitalidade.

Para nos salvar não vejo outro caminho senão aquele apontado pela Carta da Terra:”o destino comum nos conclama a buscar um novo começo; isto requer uma mudança na mente e no coração; demanda um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal” (final).

Mudança de mente significa um novo conceito de Terra como Gaia. Ela não nos pertence, mas ao conjunto dos ecossistemas que servem à totalidade da vida, regulando sua base biofísica e os climas. Ela criou toda a comunidade de vida e não apenas nós. Nós somos sua porção consciente e responsável. O trabalho mais pesado é feito pelos nossos parceiros invisíveis, verdadeiro proletariado natural, os microorganismos, as bactérias e fungos que são bilhões em cada culherada de chão. São eles que sustentam efetivamente a vida já há 3,8 bilhões de anos. Nossa relação para com a Terra deve ser como aquela com nossas mães: de respeito e gratidão. Devemos devolver, agradecidos, o que ela nos dá e manter sua capacidade vital.

Mudança de coração significa que além da razão instrumental com a qual organizamos a produção, precisamos da razão cordial e sensível que se expressa pelo amor à Terra e pelo respeito a cada ser da criação porque é nosso companheiro na comunidade de vida e pelo sentimento de reciprocidade, de interdependência e de cuidado, pois essa é nossa missão.

Sem essa conversão não sairemos da miopia de uma economia verde.Só novas mentes e novos corações gestarão outro futuro."

(Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com/2011/10/16/a-ilusao-de-uma-economia-verde/)

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O "negócio" das barragens no Biosfera

"Porque é que a construção da barragem de Foz Tua em Trás-os-Montes deve interessar a um lisboeta ou um algarvio? Porque esta, mais as outras barragens e os parques eólicos vão levar Portugal a ter a eletricidade mais cara do mundo em poucos anos. Uma plataforma de ONGA fez as contas e o Plano Nacional de Barragens vai custar ao Estado 16 mil milhões de euros, entre juros bancários, subsídios e pagamento de obras. Também são números, os de um crescimento insustentável, que justificam a destruição da Linha do Tua". Fonte: Biosfera 331 Barragem do Tua: Quem fica a perder? 2011-10-12
    

Comunicado sobre o abate de árvores no Vale do Tua

Imagem obtida em Transumância e Natureza

"Governo autoriza abate de milhares de sobreiros e azinheiras para viabilizar a barragem da Foz do Tua

O Governo, para viabilizar a construção da barragem da Foz do Tua, vem agora emitir um Despacho para autorização do abate de milhares de sobreiros e azinheiras no Vale do Tua, afectando de modo irremediável o património natural do Vale do Tua, um dos melhores conservados de Portugal.

A barragem estará situada dentro da Paisagem Cultural do Douro Vinhateiro, classificada como Património Mundial. Após um controverso processo de Avaliação de Impacte Ambiental, foi efectuada uma queixa à UNESCO, alertando para a desactivação da linha do Tua e para a afectação negativa da paisagem com a construção da barragem.

A publicação do Despacho n.º 13491/2011, de 10 de Outubro do Ministério da Economia e Emprego e do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, com a necessária Declaração de Imprescindível Utilidade Pública, vem viabilizar à EDP S.A., o abate de mais de 1104 sobreiros e 4134 azinheiras em povoamentos e núcleos de valor ecológico elevado no Vale do Tua.

Questionamos a consideração da inexistência de alternativas válidas para a construção do empreendimento, quando as mesmas não foram estudadas ao nível da Avaliação de Impacte Ambiental.

Imagem obtida em Naturlink
Lamentamos o avanço do processo de construção da barragem, a qual a ser construída, produzirá o equivalente apenas a 0,07% da energia eléctrica consumida em Portugal em 2006 (Dados da Rede Eléctrica Nacional). Mais uma vez andamos em contraciclo, construindo barragens irrelevantes quando os países mais avançados já iniciaram a demolição das barragens com pouca utilidade.

Num momento em que cada vez mais vozes se levantam contra o desperdício e o buraco económico que representa a construção de novas barragens, este despacho representa uma inaceitável subserviência à política de publicidade enganosa e facto consumado promovida pela EDP. É também um desrespeito vergonhoso às promessas feitas pelo Governo de reavaliar o programa nacional de barragens.

Lisboa, 11 de Outubro de 2011"

domingo, 16 de outubro de 2011

Blog Action Day 2011 - Alimentação, fome e capitalismo selvagem


Hoje é o dia em que bloggers de todo o mundo falam sobre um tema - o Blog Action Day. Costuma ser a 15 de Outubro, mas este ano é a 16 de Outubro por ser o Dia Mundial da Alimentação, já que o tema é a Alimentação. Por aqui, fica a transcrição de excertos do livro de Jean Ziegler "A Fome no Mundo Explicada a Meu Filho", obtida em Ricos e Pobres (e em Histórias para Todos) .  

O texto é de 2002, e os números hoje são diferentes, mas infelizmente não são melhores. Somos já cerca de 7 mil milhões de pessoas, das quais cerca de 1/7 (925 milhões) sofre de fome crónica, e os ricos cada vez estão mais ricos. Para além de se produzir alimentos para queimar como biocombustíveis, do enorme desperdício de alimentos, da desflorestação e das alterações climáticas, constatamos aqui, mais uma vez, que o principal responsável pela fome que grassa no mundo é o capitalismo selvagem. Esse mesmo que levou muitos milhares de pessoas pelo mundo fora a sair à rua para se manifestarem contra, ainda ontem.  Aconselho também as mensagens sobre os Motivos da Fome no Mundo aqui (1) e aqui (2)

"A Fome no Mundo Explicada a Meu Filho - Jean Ziegler

Imagem de Wikipedia
Quantas pessoas no mundo estão actualmente ameaçadas de morrer de fome?

— A FAO (Food and Agricultural Organization),Organização para a Alimentação e a Agricultura das Nações Unidas, avalia, no seu último relatório, em mais de 30 milhões o número de pessoas que morreram de fome em 1999 e, para o mesmo período, em mais de 828 milhões de seres torturados pela desnutrição grave e permanente. São homens, mulheres e crianças que, devido à falta de alimentos, padecem de lesões frequentemente irreversíveis. Ou morrem num prazo mais ou menos breve, ou vegetam num estado de deficiência grave – cegueira, raquitismo, desenvolvimento precário da capacidade cerebral, etc.

Tomemos o exemplo da cegueira: em cada ano, sete milhões de pessoas, normalmente crianças, perdem a vista, na maioria das vezes por falta de uma alimentação suficiente ou como consequência de enfermidades vinculadas ao subdesenvolvimento. Cento e quarenta e seis milhões de cegos vivem nos países da África, da Ásia e da América Latina. Em 1999, Gore Brundtland, directora da Organização Mundial da Saúde, ao apresentar o seu plano “Visão 2020” em Genebra, disse: Oitenta por cento dos afectados na vista seriam perfeitamente evitáveis. Sobretudo por meio de uma dose regular de vitamina A para as crianças pequenas. Em 1990, havia 822 milhões de pessoas severamente afectadas pelo flagelo da fome. Podemos ler de duas maneiras estas estatísticas. Primeira leitura: as vítimas da subalimentação aumentam sem cessar no mundo, especialmente nos países do Sul; mas se comparamos os mártires do flagelo da fome com a progressão demográfica da população mundial, constatamos um ligeiro retrocesso. Em 1990, 20% da humanidade sofria de subalimentação extrema; oito anos depois, “só” 19%.

Onde vivem as pessoas mais gravemente subalimentadas?

— No sul e leste da Ásia, 18% dos homens, mulheres e crianças, padecem de uma severa desnutrição. Na África, o seu número alcança 35% da população continental. Na América Latina e no Caribe, 14%. As três quartas partes dos “gravemente subalimentados” do planeta são gente do campo; a outra quarta parte são habitantes das periferias que se amontoam em torno das metrópoles do Terceiro Mundo.

A nossa Terra poderia alimentar convenientemente em cada dia todos os seus habitantes?

— Não só isso, mas poderia alimentar pelo menos o dobro da população mundial actual. Hoje em dia somos quase seis biliões de seres humanos na Terra. Há mais de quinze anos, a FAO elaborou um relatório no qual assinalava que o mundo, no estado actual das forças de produção agrícola, poderia alimentar sem problema mais de doze biliões de seres humanos. Alimentar quer dizer fornecer a cada homem, mulher e criança uma ração equivalente a 2.400 ou 2.700 calorias diárias, uma vez que as necessidades alimentares variam segundo os indivíduos, em função do trabalho que realizam e das zonas climáticas onde vivem.

O flagelo da fome não é então uma fatalidade?

— De modo algum. Se a distribuição de alimentos na Terra fosse justa, haveria comida suficiente para todo o mundo.

Por que razão nunca ninguém nos fala na escola da fome no mundo e das pessoas que a provocam e daquelas que a combatem?

— Para mim, isso também é um mistério. Muitos professores de institutos e de escolas são pessoas abertas, generosas e estão profundamente solidarizadas com a luta dos povos do Terceiro Mundo. Muitos deles alertam os seus alunos quando se declara uma fome grave e promovem-se colectas públicas. No entanto, não sei de nenhuma escola onde o tema da fome, que mata todos os dias mais gente do que todas as guerras do planeta juntas, figure no seu programa. Não existe nenhum tipo de ensino onde se analise, se discuta o problema da fome, se examinem as suas raízes e os meios de lhe dar um fim.

Mas os técnicos internacionais dizem as coisas bem claras. Ouça, por exemplo, esta frase que é a conclusão de um relatório da FAO de 1998: "Os últimos dados não permitem contemplações, uma vez que o progresso numas regiões tem sido anulado pela deterioração noutras". Isto quer dizer que as batalhas ganhas numa frente são imediatamente anuladas pelas derrotas sofridas noutra. Os bons sentimentos não bastam, são um luxo para os filhos dos ricos. A calamidade da fome manifesta-se de mil maneiras. O seu aparecimento e os seus efeitos exigem análises precisas e pormenorizadas. Mas a escola não diz nada, não cumpre a sua função. Os adolescentes frequentemente saem dela cheios de bons sentimentos e de uma vaga convicção de solidariedade, mas nunca com um verdadeiro conhecimento, uma clara consciência das origens e dos estragos da fome.

Como se a fome fosse um tabu?

— Exactamente. Um tabu que dura há muito tempo. Já em 1952 o brasileiro Josué de Castro dedicava todo um capítulo do seu célebre livro Geopolítica da fome a esse “tabu da fome”. A sua explicação é interessante: as pessoas sentem-se tão envergonhadas por saber que uma grande parte dos seus semelhantes morre por falta de alimento que ocultam o escândalo com um espesso silêncio. Esta vergonha é compartilhada pela escola, pelos governos e pela maioria de nós.

O nível de alimentação está em relação directa com o nível de bem-estar e com o nível de saúde das pessoas. Por um lado, onde não se come o suficiente, encontramos pobreza, miséria, desnutrição, doença, fome e morte. Por outro, no extremo oposto, onde há meios de subsistência e alimentos, encontramos esperança desde o nascimento, saúde e vida.

Imagem de CNN World
Já no ventre da mãe, o bebé sofre as consequências desta desigualdade, inclusivamente na constituição de seu intelecto. A desnutrição da mãe durante a gestação — quando o bebé deve desenvolver o conjunto de células que o constituirão como um ser dotado de todas as suas faculdades — diminui as possibilidades de que a criança nasça, pois a placenta — alimento, água, oxigénio e anticorpos do bebé instalado no útero — não escapa aos danos causados pelas carências de alimentação. A mãe deve nutrir-se convenientemente desde a formação do embrião. A constituição física e intelectual da criança, a sua capacidade de desenvolvimento e a sua força para o trabalho também dependem da alimentação que vai receber desde o momento do seu nascimento. A criança chega ao mundo num ambiente condicionado: ou com muitos privilégios ou com muitas privações. Nos primeiros anos da história da humanidade, o mundo era aquele em que o macho mais forte se apropriava da comida da qual necessitavam a mulher e a criança. Hoje, a história não mudou em absoluto, porque os poderosos continuam a apropriar-se da comida.

Por quê esses esqueletos da fome? Por quê esse martírio quotidiano, interminável, para tantas centenas de milhões de seres humanos?

A causa principal das hecatombes por subalimentação e por fome aguda é a desigual distribuição das riquezas do nosso planeta. Esta desigualdade é negativamente dinâmica: os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Em 1960, 20% dos habitantes mais ricos do mundo desfrutavam de uma renda 31 vezes superior à dos 20% mais pobres. Em 1998, o rendimento dos 20% mais ricos é 83 vezes superior à dos 20% mais pobres. A concentração do rendimento e das riquezas nas mãos de uns poucos progride a grande velocidade.

O conceito de desigualdade soa-nos irreal e o seu significado é insuficiente. O termo aparece num mundo que já não se assusta com as estatísticas. As cifras acima referidas escondem uma realidade de sofrimento e de desespero. A desigualdade negativamente dinâmica que rege a ordem actual do mundo produz a seguinte situação: por um lado, um poder político, económico, ideológico, científico e militar sem limites identificáveis, exercido por uma escassa oligarquia transnacional; por outro, a falta de vida, o desespero e o flagelo da fome vividos por centenas de milhões de seres anónimos. A oligarquia decide o destino da multidão. A massa de vítimas anónimas padece, impotente, a sua própria agonia. Só a brutal imbecilidade de um regime de classes sociais existentes antes do seu nascimento, de ideologias discriminatórias, de privilégios defendidos pela violência explica a desigualdade entre os seres humanos.

A política deve velar para que todos possam saciar a fome. Seria horrível tomarmos como natural o facto de todos os anos morrerem dezenas de milhões de pessoas por causa da subalimentação crónica e da fome aguda. A fatalidade não preside à ordem mortal do mundo. Basta lembrar que, no actual estado das forças produtivas agrícolas, seria possível alimentar sem problemas doze mil milhões de pessoas. Alimentar significa proporcionar a cada indivíduo 2.600 calorias por dia. A população actual do mundo chega a menos de seis mil milhões de pessoas.

Conclusão: estamos diante de uma falta contingente e não de uma falta objectiva de alimentos. Por outras palavras, o problema da grave fome no mundo é um problema social. As centenas de milhões de pessoas que morrem todos os anos de subalimentação aguda morrem por causa da injusta distribuição de alimentos disponíveis no planeta. A Acção contra a Fome, organização não-governamental (ONG), de um compromisso exemplar, constata que “um grande número de pobres no mundo carece do alimento necessário, na medida em que a produção alimentar se ajusta à demanda solvente” Quem tem dinheiro, come. Quem não tem, morre lentamente de fome. Trata-se portanto de civilizar o actual jugo do capitalismo selvagem. A economia mundial é fruto da produção, distribuição, intercâmbio e consumo de alimentos. Afirmar a autonomia da economia em relação à fome é absurdo ou, pior ainda, é um crime. Não se pode abandonar a luta contra essa catástrofe ao livre jogo do mercado. Todos os mecanismos da economia mundial devem submeter-se a este imperativo primordial: vencer a fome, alimentar convenientemente todos os habitantes do planeta. Para impor este imperativo é preciso criar uma estrutura jurídica internacional, apoiada em tratados e normas. Jean-Jacques Rousseau escreveu: “Entre o fraco e o forte, é a liberdade que oprime e a lei que liberta”. A liberdade total do mercado é um sinónimo de opressão; a lei é a primeira garantia da justiça social.

O mercado mundial necessita de normas e de uma restrição imposta pela vontade colectiva dos povos. A luta contra a maximização do lucro como única motivação dos protagonistas que dominam o mercado e a luta contra a aceitação passiva da miséria são imperativos urgentes. É preciso fechar a Bolsa das matérias-primas agrícolas de Chicago, combater a deterioração constante das relações de intercâmbio e acabar com a estúpida ideologia neo-liberal que deslumbra a maioria dos governos dos países ocidentais. O ser humano é o único vertebrado que pode sentir na sua consciência o sofrimento do outro. Será que a constituição de uma consciência da identidade, da solidariedade radical com aquele que sofre se infere de um projecto utópico? Não. No decurso da história já ocorreram alguns saltos qualitativos análogos. Por exemplo, o nascimento do Estado. Numa época remota, os humanos fizeram uma escolha fundamental: até então, a solidariedade, a identificação com o outro limitavam-se à família, ao clã, em consequência, àqueles cujo rosto era conhecido e cuja presença física era sensível.

Com o nascimento da nação e do Estado, o ser humano fez-se pela primeira vez solidário com aqueles que não conhecia e com os que provavelmente nunca encontraria. Acabava de nascer um sentimento de identidade nacional, algumas instituições de solidariedade, uma consciência supra-familiar, uma lei comum. A única identidade humana válida é a que nasce do encontro real ou imaginário com os outros, do acto de solidariedade. Não pode haver um mundo dentro do mundo, uma inserção de bem-estar num mundo de dor. É inaceitável uma economia mundial que relega para o não-ser a sexta parte da humanidade. Se o flagelo da fome não desaparecer rapidamente do nosso planeta, não haverá humanidade possível. Portanto, é preciso reintegrar na humanidade essa “fracção sofredora”, que hoje está excluída e perece na noite.

Jean Ziegler,  A Fome no Mundo Explicada a Meu Filho, Petrópolis, Editora Vozes, 2002, (Excertos adaptados)"  (Nota: o negrito é meu)

sábado, 15 de outubro de 2011

Porto, 15 de Outubro de 2011

Aqui fica um testemunho da manifestação de hoje, no Porto. A qualidade das imagens e dos vídeos obtidos através do telemóvel é muito fraca, por contraste com a qualidade das pessoas que lá estiveram.

Mas com a máquina fotográfica avariada, e por estas e outras, lá terá de servir para recordação de um dia muito importante para a mudança que aí vem.


(Para verem fotos em  condições, vejam em: Paulo Bico, Porto24,  Global Voices,  Diana Rui, A Educação do Meu Umbigo, 15.o, )

15 de Outubro de 2011




quarta-feira, 12 de outubro de 2011

15 de Outubro – Unidos por uma mudança global

"No dia 15 de Outubro pessoas de todo o mundo tomarão as ruas e as praças. Da América à Ásia, de África à Europa, as pessoas estão a erguer-se para lutar pelos seus direitos e pedir uma autêntica democracia. Agora chegou o momento de nos unirmos num protesto não violento à escala global.

Os poderes estabelecidos actuam em benefício de uns poucos, ignorando a vontade da grande maioria e sem se importarem com o custo humano ou ecológico que tenhamos que pagar. Há que pôr fim a esta situação intolerável.

Unidos em uma só voz, faremos saber aos políticos e às elites financeiras que eles servem, que agora somos nós, o povo, que decidirá o nosso futuro. Não somos mercadorias nas mãos de políticos e banqueiros que não nos representam.

No dia 15 de Outubro encontramo-nos nas ruas para pôr em marcha a mudança global que queremos. Vamos manifestar-nos pacificamente e vamos organizar-nos até atingirmos o nosso objectivo.

Chegou a hora de nos unirmos. Chegou a hora de nos ouvirem."

Saiamos às ruas do mundo o dia 15 de outubro!"     (Fonte: http://www.15deoutubro.net/)



Hora: a partir das 15:00h até às 24h  |  Locais:

Portugal  |  http://www.15deoutubro.net/

Resto do Mundo | http://15october.net/


terça-feira, 11 de outubro de 2011

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

A Doutrina do Choque - A Ascensão do Capitalismo do Desastre

O documentário que se segue é baseado no livro "A Doutrina do Choque - A Ascensão do Capitalismo do Desastre" da activista canadiana Naomi Klein, de quem ainda falamos ontem, e o texto a seguir é um extracto de uma entrevista a Naomi  obtida aqui.


"- O que é exatamente a doutrina do choque? 
- A doutrina do choque como todas as doutrinas é uma filosofia de poder. É uma filosofia sobre como conseguir seus próprios objetivos políticos e econômicos. É uma filosofia que sustenta que a melhor maneira, a melhor oportunidade para impor as idéias radicais do livre-mercado é no período subseqüente ao de um grande choque. Esse choque poder ser uma catástrofe econômica. Pode ser um desastre natural. Pode ser um ataque terrorista. Pode ser uma guerra. Mas, a idéia é que essas crises, esses desastres, esses choques abrandam a sociedades inteiras. Deslocam-nas. Desorientam as pessoas. E abre-se uma ‘janela’ e a partir dessa janela se pode introduzir o que os economistas chamam de ‘terapia do choque econômico’. "



E já agora, se quiser perceber o papel da comunicação social no meio disto, sobretudo quando se trata de guerra, veja o documentário de John Pilger (2010) "The War You Don't See" em "A guerra que você não vê"

domingo, 9 de outubro de 2011

"A coisa mais importante do mundo agora" por Naomi Klein

"Começamos uma luta contra as forças econômicas e políticas mais poderosas do planeta. Isso é assustador. E à medida que este movimento crescer e ganhar força, tornar-se-á mais assustador. Estejam conscientes de que haverá a tentação de mudar para alvos menores - como, por exemplo, a pessoa ao seu lado nesta reunião. Afinal de contas, é uma batalha bem mais fácil de ganhar.

Não ceda à tentação. Não estou a dizer que vocês não devem apontar os erros dos outros. Mas desta vez, vamos-nos tratar uns aos outros como quem planeia trabalhar lado a lado na luta durante muitos anos. Porque esta tarefa não vai exigir menos que isso.

Vamos tratar esse belo movimento como se fosse coisa mais importante do mundo. Porque o é, realmente."

Estas são as linhas finais do discurso de Naomi Klein na passada quinta-feira, dia 6 de Outubro na manifestação "Occupy Wall Street", em Nova Iorque. Sem microfones, porque a polícia proibiu, os manifestantes repetiram o discurso, frase a frase. Cabe-me a mim ajudar a amplificar a sua voz, aqui. E a vocês todos também. Porque você que está a ler este blogue, muito provavelmente faz parte dos 99%. 



Porque o discurso é muito importante, fica abaixo a sua tradução completa, bem como a nota introdutória, de Idelber Avelar a obtida na Revista Fórum.

"Naomi Klein é hoje uma das principais intelectuais e militantes anticapitalistas do planeta. Jovem (nasceu em 1970), apaixonada, corajosa, de brilhante trânsito por uma série de disciplinas e potente domínio da retórica, ela já se destacara como figura central nos protestos de 1999 contra a financeirização do mundo. Em 2000, lançou No Logo, uma crítica das multinacionais e do seu uso do trabalho escravo. Mas foi seu terceiro livro, A Doutrina do Choque: A Ascensão do Capitalismo do Desastre, que a elevou à condição de uma das principais intelectuais de esquerda do mundo. Com capítulos sobre os EUA, a Inglaterra de Thatcher, o Chile de Pinochet, o Iraque pós-invasão, a África do Sul, a Polônia, a Rússia e os tigres asiáticos, Klein demonstra como o capitalismo contemporâneo funciona à base da produção de desgraças, apropriando-se delas para o contínuo saqueio e privatização da riqueza pública. De família judia, Klein participou, em 2009, durante o massacre israelense a Gaza, da campanha “Desinvestimento, Sanções e Boicote” (BDS) contra Israel. Num discurso em Ramalá, pediu perdão aos palestinos por não ter se juntado antes à campanha BDS.

Nesta quinta-feira, 06 de outubro, Naomi Klein compareceu, convidada, à Assembleia Geral de Nova York. A amplificação foi banida pela polícia. Não havia microfones. Num inesquecível gesto, a multidão mais próxima a Klein repetia suas frases, para que os mais distantes pudessem ouvir e, por sua vez, repeti-las também. Era o "microfone humano". O memorável discurso de Klein foi assistido por dezenas de milhares de pessoas via internet. A Fórum publica o texto em português em primeira mão. É um comovente documento da luta de nosso tempo." Idelber Avelar
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"Eu amo vocês.

E eu não digo isso só para que centenas de pessoas gritem de volta “eu também te amo”, apesar de que isso é, obviamente, um bônus do microfone humano. Diga aos outros o que você gostaria que eles dissessem a você, só que bem mais alto.

Ontem, um dos oradores na manifestação dos trabalhadores disse: “Nós nos encontramos uns aos outros”. Esse sentimento captura a beleza do que está sendo criado aqui. Um espaço aberto (e uma ideia tão grande que não pode ser contida por espaço nenhum) para que todas as pessoas que querem um mundo melhor se encontrem umas às outras. Sentimos muita gratidão.

Se há uma coisa que sei, é que o 1% adora uma crise. Quando as pessoas estão desesperadas e em pânico, e ninguém parece saber o que fazer: eis aí o momento ideal para nos empurrar goela abaixo a lista de políticas pró-corporações: privatizar a educação e a seguridade social, cortar os serviços públicos, livrar-se dos últimos controles sobre o poder corporativo. Com a crise econômica, isso está acontecendo no mundo todo.

Só existe uma coisa que pode bloquear essa tática e, felizmente, é algo bastante grande: os 99%. Esses 99% estão tomando as ruas, de Madison a Madri, para dizer: “Não. Nós não vamos pagar pela sua crise”.

Esse slogan começou na Itália em 2008. Ricocheteou para Grécia, França, Irlanda e finalmente chegou a esta milha quadrada onde a crise começou.

“Por que eles estão protestando?”, perguntam-se os confusos comentaristas da TV. Enquanto isso, o mundo pergunta: “por que vocês demoraram tanto? A gente estava querendo saber quando vocês iam aparecer.” E, acima de tudo, o mundo diz: “bem-vindos”.

Muitos já estabeleceram paralelos entre o Ocupar Wall Street e os assim chamados protestos anti-globalização que conquistaram a atenção do mundo em Seattle, em 1999. Foi a última vez que um movimento descentralizado, global e juvenil fez mira direta no poder das corporações. Tenho orgulho de ter sido parte do que chamamos “o movimento dos movimentos”.

Mas também há diferenças importantes. Por exemplo, nós escolhemos as cúpulas como alvos: a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional, o G-8. As cúpulas são transitórias por natureza, só duram uma semana. Isso fazia com que nós fôssemos transitórios também. Aparecíamos, éramos manchete no mundo todo, depois desaparecíamos. E na histeria hiper-patriótica e nacionalista que se seguiu aos ataques de 11 de setembro, foi fácil nos varrer completamente, pelo menos na América do Norte.

O Ocupar Wall Street, por outro lado, escolheu um alvo fixo. E vocês não estabeleceram nenhuma data final para sua presença aqui. Isso é sábio. Só quando permanecemos podemos assentar raízes. Isso é fundamental. É um fato da era da informação que muitos movimentos surgem como lindas flores e morrem rapidamente. E isso ocorre porque eles não têm raízes. Não têm planos de longo prazo para se sustentar. Quando vem a tempestade, eles são alagados.

Ser horizontal e democrático é maravilhoso. Mas esses princípios são compatíveis com o trabalho duro de construir e instituições que sejam sólidas o suficiente para aguentar as tempestades que virão. Tenho muita fé que isso acontecerá.

Há outra coisa que este movimento está fazendo certo. Vocês se comprometeram com a não-violência. Vocês se recusaram a entregar à mídia as imagens de vitrines quebradas e brigas de rua que ela, mídia, tão desesperadamente deseja. E essa tremenda disciplina significou, uma e outra vez, que a história foi a brutalidade desgraçada e gratuita da polícia, da qual vimos mais exemplos na noite passada. Enquanto isso, o apoio a este movimento só cresce. Mais sabedoria.

Mas a grande diferença que uma década faz é que, em 1999, encarávamos o capitalismo no cume de um boom econômico alucinado. O desemprego era baixo, as ações subiam. A mídia estava bêbada com o dinheiro fácil. Naquela época, tudo era empreendimento, não fechamento.

Nós apontávamos que a desregulamentação por trás da loucura cobraria um preço. Que ela danificava os padrões laborais. Que ela danificava os padrões ambientais. Que as corporações eram mais fortes que os governos e que isso danificava nossas democracias. Mas, para ser honesta com vocês, enquanto os bons tempos estavam rolando, a luta contra um sistema econômico baseado na ganância era algo difícil de se vender, pelo menos nos países ricos.

Dez anos depois, parece que já não há países ricos. Só há um bando de gente rica. Gente que ficou rica saqueando a riqueza pública e esgotando os recursos naturais ao redor do mundo.

A questão é que hoje todos são capazes de ver que o sistema é profundamente injusto e está cada vez mais fora de controle. A cobiça sem limites detona a economia global. E está detonando o mundo natural também. Estamos sobrepescando nos nossos oceanos, poluindo nossas águas com fraturas hidráulicas e perfuração profunda, adotando as formas mais sujas de energia do planeta, como as areias betuminosas de Alberta. A atmosfera não dá conta de absorver a quantidade de carbono que lançamos nela, o que cria um aquecimento perigoso. A nova normalidade são os desastres em série: econômicos e ecológicos.

Estes são os fatos da realidade. Eles são tão nítidos, tão óbvios, que é muito mais fácil conectar-se com o público agora do que era em 1999, e daí construir o movimento rapidamente.

Sabemos, ou pelo menos pressentimos, que o mundo está de cabeça para baixo: nós nos comportamos como se o finito – os combustíveis fósseis e o espaço atmosférico que absorve suas emissões – não tivesse fim. E nos comportamos como se existissem limites inamovíveis e estritos para o que é, na realidade, abundante – os recursos financeiros para construir o tipo de sociedade de que precisamos.

A tarefa de nosso tempo é dar a volta nesse parafuso: apresentar o desafio à falsa tese da escassez. Insistir que temos como construir uma sociedade decente, inclusiva – e ao mesmo tempo respeitar os limites do que a Terra consegue aguentar.

A mudança climática significa que temos um prazo para fazer isso. Desta vez nosso movimento não pode se distrair, se dividir, se queimar ou ser levado pelos acontecimentos. Desta vez temos que dar certo. E não estou falando de regular os bancos e taxar os ricos, embora isso seja importante.

Estou falando de mudar os valores que governam nossa sociedade. Essa mudança é difícil de encaixar numa única reivindicação digerível para a mídia, e é difícil descobrir como realizá-la. Mas ela não é menos urgente por ser difícil.

É isso o que vejo acontecendo nesta praça. Na forma em que vocês se alimentam uns aos outros, se aquecem uns aos outros, compartilham informação livremente e fornecem assistência médica, aulas de meditação e treinamento na militância. O meu cartaz favorito aqui é o que diz “eu me importo com você”. Numa cultura que treina as pessoas para que evitem o olhar das outras, para dizer “deixe que morram”, esse cartaz é uma afirmação profundamente radical.

Algumas ideias finais. Nesta grande luta, eis aqui algumas coisas que não importam:
  • Nossas roupas.
  • Se apertamos as mãos ou fazemos sinais de paz.
  • Se podemos encaixar nossos sonhos de um mundo melhor numa manchete da mídia.
E eis aqui algumas coisas que, sim, importam:
  • Nossa coragem.
  • Nossa bússola moral.
  • Como tratamos uns aos outros.
Estamos encarando uma luta contra as forças econômicas e políticas mais poderosas do planeta. Isso é assustador. E na medida em que este movimento crescer, de força em força, ficará mais assustador. Estejam sempre conscientes de que haverá a tentação de adotar alvos menores – como, digamos, a pessoa sentada ao seu lado nesta reunião. Afinal de contas, essa será uma batalha mais fácil de ser vencida.

Não cedam a essa tentação. Não estou dizendo que vocês não devam apontar quando o outro fizer algo errado. Mas, desta vez, vamos nos tratar uns aos outros como pessoas que planejam trabalhar lado a lado durante muitos anos. Porque a tarefa que se apresenta para nós exige nada menos que isso.

Tratemos este momento lindo como a coisa mais importante do mundo. Porque ele é. De verdade, ele é. Mesmo."