sábado, 5 de março de 2011

A transição vista por Leonardo Boff


"A difícil passagem do tecnozóico ao ecozóico

por Leonardo Boff, Fevereiro 2011

As grandes crises comportam grandes decisões. Há decisões que significam vida ou morte para certas sociedades, para uma instituição ou para uma pessoa.

A situação atual é a de um doente ao qual o médico diz: ou você controla suas altas taxas de colesterol e sua pressão ou vai enfrentar o pior. Você escolhe.

A humanidade como um todo está com febre e doente e deve decidir: ou continuar com seu ritmo alucinado de produção e consumo, sempre garantindo a subida do PIB nacional e mundial, ritmo altamente hostil à vida, ou enfrentar dentro de pouco as reações do sistema-Terra que já deu sinais claros de estresse global. Não tememos um cataclisma nuclear, não impossível mas improvável, o que significaria o fim da espécie humana. Receamos isto sim, como muitos cientistas advertem, por uma mudança repentina, abrupta e dramática do clima que, rapidamente, dizimaria muitíssimas espécies e colocaria sob grande risco a nossa civilização.

Isso não é uma fantasia sinistra. Já o relatório do IPPC de 2001 acenava para esta eventualidade. O relatório da U.S. National Academy of Sciences de 2002 afirmava “que recentes evidências científicas apontam para a presença de uma acelerada e vasta mudança climática; o novo paradigma de uma abrupta mudança no sistema climático está bem estabelecida pela pesquisa já há 10 anos, no entanto, este conhecimento é pouco difundido e parcamente tomado em conta pelos analistas sociais”. Richard Alley, presidente da U.S. National Academy of Sciences Committee on Abrupt Climate Change com seu grupo comprovou que, ao sair da última idade do gelo, há 11 mil anos, o clima da Terra subiu 9 graus em apenas 10 anos (dados em R.W.Miller, Global Climate Disruption and Social Justice, N.Y 2010). Se isso ocorrer conosco estaríamos enfrentando uma hecatombe ambiental e social de conseqüências dramáticas.

O que está, finalmente, em jogo com a questão climática? Estão em jogo duas práticas em relação à Terra e a seus recursos limitados. Elas fundam duas eras de nossa história: a tecnozóica e a ecozóica.

Na tecnozóica se utiliza um potente instrumental, inventado nos últimos séculos, a tecno-ciência, com a qual se explora de forma sistemática e com cada vez mais rapidez todos os recursos, especialmente em benefício para as minorias mundiais, deixando à margem grande parte da humanidade. Praticamente toda a Terra foi ocupada e explorada. Ela ficou saturada de toxinas, elementos químicos e gases de efeito estufa a ponto de perder sua capacidade de metabolizá-los. O sintoma mais claro desta sua incapacidade é a febre que tomou conta do Planeta.

Na ecozóica se considera a Terra dentro da evolução. Por mais de 13,7 bilhões de anos o universo existe e está em expansão, empurrado pela insondável energia de fundo e pelas quatro interações que sustentam e alimentam cada coisa. Ele constitui um processo unitário, diverso e complexo que produziu as grandes estrelas vermelhas, as galáxias, o nosso Sol, os planetas e nossa Terra. Gerou também as primeiras células vivas, os organismos multicelulares, a proliferação da fauna e da flora, a autoconsciência humana pela qual nos sentimos parte do Todo e responsáveis pelo Planeta. Todo este processo envolve a Terra até o momento atual. Respeitado em sua dinâmica, ele permite a Terra manter sua vitalidade e seu equilíbrio.

O futuro se joga entre aqueles comprometidos com a era tecnozóica com os riscos que encerra e aqueles que assumiram a ecozóica, lutam para manter os ritmos da Terra, produzem e consomem dentro de seus limites e que colocam a perpetuidade e o bem-estar humano e da comunidade terrestre como seu principal interesse.

Se não fizermos esta passagem dificilmente escaparemos do abismo, já cavado lá na frente."
Leonardo Boff, teólogo, escritor e professor universitário brasileiro

6 comentários:

  1. Manuela
    Não conhecia este texto e agradeço-lhe muito mais esta partilha e toda a aprendizagem que me proporciona. Não sou muito de comentar, mas acredite que vou "absorvendo" aquilo que escreve e, sempre que considero oportuno, transmito aos meus alunos. O seu blogue, mesmo que às vezes lhe possa parecer uma gota de água (e mesmo que fosse, já não era pouco) é já um mar onde mergulhamos e saímos com a energia renovada que só o conhecimento e esperança podem oferecer.
    Hoje, de manhã, li um artigo que falava da opção de algumas sociedades pelo suicídio colectivo: Que aquilo que é lógico e pragmático nem sempre acontece. Por vezes, as sociedades escolhem o caminho da derrota fulminante, ou do longo suicídio.
    Acredito sinceramente que esta crise nos oferece a oportunidade única de mudar, de nos responsabilizarmos. Acredito que este seja o início da era eczóica, acredito que não optemos pelo suicídio colectivo, mas sim por uma transformação e que estejamos a viver o início de uma mudança transformadora.
    Um abraço grato
    Teresa

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  2. Esta passagem da era tecnozóica para a ecozóica, faz-me lembrar da fábula do Escorpião e da tartaruga, para quem não conhece.

    O escorpião está na margem do rio e quer passar para o outro lado e não sabe nadar, então passa a tartaruga a nadar e ele pede-lhe se ela o pode transportar para o outro lado, ela primeiramente recusa porque tem medo que o escorpião a pique durante a travessia, então o escorpião responde que isso não tem lógica, se ele a picar no meio do rio morrem os 2, pois ele não sabe nadar. Então a tartaruga aceita fazer-lhe o favor, vão eles já no meio do rio, o escorpião não se consegue controlar e pica a tartaruga, ela pergunta porque ele a picou sendo que vão morrer os 2 e isso não tem lógica, ele responde não se trata de lógica é o instinto e no fim morrem o 2.

    O nosso sistema económico já não se baseia na lógica, só no instinto do crescimento mesmo que isso nos conduza á desgraça, espero que a travessia não seja idêntica ao da fábula.

    Saudações

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  3. Mas não existe este "instinto de crescimento".
    E só nos conduzirá á desgraça, se continuarmos a achar, que cada um de nós, não faz a diferença. A desculpa: "os outros não fazem, porque hei-de eu fazer?"
    Sei que não é tão simples como falo, porque andam todos cada vez mais ocupados com o programa que lhes mostram, que mal sabem o que vai acontecendo no mundo mais aprofundadamente. Só sabem o que os meios de comunicação lhes vão reportando, o que é muito pouco.
    As notícias da televisão são apenas um sobrevôo do que na realidade acontece.
    É por isso que a maioria pouco ou nada faz.
    É preciso toda as pessoas que têm esta consciência, falarem sem terem medo de ser incovenientes.
    Porque se se começarem a ouvir a mesma coisa em todos os lados, talvez levem mais a sério.
    Afinal, se esta é a realidade, porque hei-de eu fingir que não sei o que sei?

    Viva a Vida!

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  4. Teresa

    Obrigada pelas palavras de optimismo, alento e esperança que aqui deixou. Já o li há uns dias, e ainda não me senti inspirada para lhe responder como merecia, mas quero que saiba que o seu comentário me levantou e muito o "astral", foi uma verdadeira reposição energética :)

    Sinceramente, obrigada por tudo e sobretudo, obrigada por acreditar!

    Beijinhos

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  5. Carlos

    Adorei a fábula e a comparação. Infelizmente, por vezes sou tentada a pensar que será mesmo assim, pois o que vejo à nossa volta assim o aponta.

    Quanto ao nosso sistema económico, eu não sei se se pode chamar instinto, porque ele não é um animal: é uma besta robotizada movida a ganância de lucro que não vê mais nada. De facto, já perdeu a lógica há mais de um século.

    Obrigada e saudações

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  6. Ana Teresa

    Esse "instinto" de crescimento não é um instinto, é mais uma "coisa" induzida pelos fulanos que inventaram o capitalismo e que o povo absorveu demasiado.

    Mas continuemos cada vez mais a apontar o dedo, a difundir ideias que "revoguem" aquelas que foram pregadas às gerações anteriores.

    Um a um, grão a grão, gota a gota, a bem ou a mal, as coisas mudarão.

    Obrigada e "Viva a Vida" :

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