quinta-feira, 13 de maio de 2010

Comer com gosto - Carta ao Ministro da Agricultura

Recebi um texto de Margarida Silva por e-mail. Acho que merece ser divulgado, por isso, aqui fica (imagem da net):

"COMER COM GOSTO

Deve haver poucas pessoas que não gostem de comer, e eu não sou uma delas. Gosto de experimentar receitas das sobremesas mais exóticas, amassar pão à procura do mais genuíno sabor, ficar-me esquecida nas livrarias a apreciar livros de cozinha recheados de resultados impossíveis de obter em casa. Mas não sou de olhar só para o resultado: os meus ingredientes escolho-os com cuidado e atenção porque é a minha família, a saúde e boa disposição de todos, que está em causa. E, neste capítulo, sou muito tradicional: procuro o melhor, sem compromisso. Por exemplo, se olho para a lista de ingredientes de uma embalagem de comida e vejo números além dos nomes... é porque foi feito no laboratório e não no campo. E o que sai do laboratório, pela minha lógica, não pode ser comida.

Mas me
smo eliminando o que inclui números ainda sobra muita coisa que não entra no meu carrinho de compras. Por exemplo, não aprovo ingredientes que, há cem anos apenas, ninguém usaria na cozinha, mesmo se começarem pela palavra Vitamina, ou jurarem que fazem bem aos intestinos. E depois ainda há aquelas comidas que se querem fazer passar por outras - chamo-lhes os travestis. Margarina e bolachas com "sabor" a chocolate são bons exemplos, mas os adoçantes que querem fazer de conta que são açúcar para poupar nas calorias são talvez daqueles a quem mais cuidadosamente barro a porta de casa. Quando tenho dúvidas, aplico uns testes muito simples: pode ser produzido numa quinta, ou pescado no mar? Percebo como passa do estado original para a embalagem final? Se a resposta é não, é porque não é para mim. Isso leva-me a passar ao lado de quase todo o pão dos supermercados e padarias, repleto que está de "melhorantes" e "enzimas", ou ainda da míriade de outros alimentos com espessantes, corantes, estabilizantes ou demais maravilhas da tecnologia alimentar.

Claro, a maneira como a comida é processada também conta, não basta escrutinar os ingredientes. A radioactividade, por exemplo, pode ter muitos fins úteis, mas comida irradiada rima com comida doente... e que nos põe doentes a nós. E a aplicação de radiação electromagnética (vulgo forno de microondas) garantidamente também não foi pensada para nos trazer mais saúde. Quanto ao leite UHT, o tal que ainda está igual a si próprio mesmo após seis meses de esquecimento no fundo do armário, bem, arranjem leite do dia pasteurizado, encham um copo de cada um e façam o teste à família toda, a ver se não distinguem o que ainda sabe a leite daquele que do leite já só tem o aspecto.

Na busca da comida como "nos bons velhos tempos", gosto de reparar também nos ingredientes "invisíveis". Prefiro, tal como a restante população europeia, que as minhas hortaliças sejam sem pesticidas, o meu leite sem antibióticos e a minha carne sem hormonas... mesmo se trouxerem o selo europeu de autorizado. Se for do campo e não de aviário ou de aquacultura, melhor. E sendo colhido e comido na época, melhor ainda.

E que dizer da mais moderna de todas as invenções alimentares, os alimentos geneticamente modificados, ou transgénicos? Já ouvi as sete maravilhas sobre eles: mais nutritivos, mais duradouros, mais limpos de pesticidas, muito estudados e seguros, até a fome no mundo e a crise energética (através de biocombustíveis) eles se preparam para resolver. Mas eu confesso: a primeira vez que comprei óleo de soja e depois verifiquei pelo rótulo que continha soja geneticamente modificada senti um aperto abaixo do estômago que nunca me engana. Esta comida transgénica pode ser apropriada para cobaias de laboratório, mas não é comida de gente. Mas claro, o problema é poder escolher. Para já anda por aí soja e milho transgénico, mas já este ano a Comissão Europeia pretende aprovar arroz transgénico. Arroz! O mais castiço dos cereais que comemos em Portugal!

Fui informar-me e fiquei a saber que os portugueses são os "chineses" da Europa: cada um de nós come em média 17 quilos de arroz por ano, enquanto que os italianos, que estão em segundo lugar atrás de nós, não comem mais que uns míseros sete quilos. Os dinamarqueses, coitados, não sabem o que é arroz doce e não vão além de quilo e meio por ano. E agora, querem abrir a nossa porta ao arroz transgénico?! Isso é, para a gastronomia, o mesmo que deitar abaixo o Mosteiro dos Jerónimos seria para a nossa história e cultura!

Senhor Ministro da Agricultura: espero que goste de arroz de ervilhas, de arroz malandro, de arroz de forno e de arroz de pato. Espero, em suma, que goste de arroz, porque ser português também é isso: durante a última grande guerra devemos em grande parte ao arroz a nossa sobrevivência alimentar. Quando se sentar em Bruxelas e chegar a vez de votar o arroz transgénico, Senhor Ministro, vote por nós."

Margarida Silva, bióloga (doutorada em biologia molecular pela Universidade de Cornell, é docente na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa no Porto, onde coordena o Grupo de Estudos Ambientais)


Está ali ao lado a petição relativa aos transgénicos na Europa, mas fica aqui mais um link. Já são mais de 700 mil assinaturas, mas precisamos de chegar ao milhão. Escreva também ao Ministro da Agricultura: veja na Plataforma Transgénicos Fora.

8 comentários:

  1. Olá Manuela,
    Gostei deste post considero realmente útil a sua divulgação e ainda aprendi alguma coisa. Uma questão me surgiu ao pensamento, nós ainda podemos ter acesso a alimentos saudáveis, mas não será que estas inovações alimentares não serão também uma necessidade no abastecimento a nível industrial, das grandes e mais populosas cidades?
    Desculpe, eu sou mesmo «chata»!...
    Bjs,
    Manuela

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  2. Obrigada Manuela,
    De facto, este "rol" até assusta!
    Embora uma das "justificações" para o desenvolvimento e uso dos transgénicos, seja o aumento da população e a escassez alimentar, ainda naõ me apercebi que os mesmos tenham resolvido esse problema. A Fome acabou? Não! Afinal, quem ganha com isto? Sempre os mesmos: os homens do dinheiro.
    Já assinei e passei a algumas amigas.
    Obrigada e abraço grande.

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  3. Para a Manuela Freitas e outros interessados fica aqui a ligação para um estudo efectuado sobre a agricultura convencional vs orgânica/biológica... está em inglês!!! Se for caso disso podem copiar o texto e traduzi-lo via google... que também serve!!!
    uma coisa sei: nós nos países ditos desenvolvidos temos acesso a mais alimentos do que necessitamos e deitamos ao lixo quantidades absurdas de alimentos... é no que dá a facilidade de acesso e a abundância... quanto aos OGM... nem "forrados a estofos" como dizia o outro comediante!!!

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  4. Olá Manuela

    O Voz já lhe respondeu, mas para ter mais informação sobre os riscos para a saúde, veja também aqui: http://stopogm.net/?q=taxonomy/term/35

    De resto, é como diz o Voz, os transgénicos estão no mercado para alimentar a ganância desmesurada das empresas químicas que os produzem, bem como os pesticidas a que resistem, que devastam tudo quanto é espécie diferente! Analisando friamente, sempre é melhor morrer de leucemia daqui a uns anos do que morrer de fome agora, isso até compreendo. No dia em que os transgénicos forem usados para matar a fome de quem a tem, alguém que me avise. Para já, não vislumbro tal. Nos países pobres, se os países ricos fossem lá para os ajudar a desenvolver as suas potencialidades agrícolas normais, a fome seria muito menos grave. Mas não, vão lá para explorá-los ao máximo, expulsá-los das suas terras para que as grandes corporações continuem a engordar os gordos e sujos lucros.

    Beijinhos

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  5. Olá Teresa
    Estamos plenamente de acordo!
    Obrigada e um beijinho

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  6. Voz
    De acordo!
    Conforme esse estudo da Univ de Cambridge: "Our results suggest that organic methods of food production can contribute substantially to feeding the current and future human population on the current agricultural land base, while maintaining soil fertility."

    Não são precisos transgénicos para acabar com a fome no mundo. Precisamos é de outra mentalidade e outra cultura, onde predominem valores éticos, de modo a podermos ter outra economia. O desperdício nos países ricos chegava!

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  7. Recebi hoje um e-mail de Paula Soveral - através da lista OGM (tal como o texto do post), que gostaria que lessem com atenção:

    "Industrial agriculture has told the world a big lie, which means the corporations that run it have told the people a big lie, including the governments who have supported them. The lie is that industrial agriculture feeds people. Industrial agriculture feeds profits. People are going hungry. A billion people are hungry today because chemical farming does not let them eat the food they grow; instead they have to pay back the debt". - Vandana Shiva, author of Soil Not Oil and Earth Democracy

    "As the people on the planet are becoming increasingly dependent on corporations to grow their food the food shortage issues are becoming worse; multi-national corporations are genetically engineering seeds that need chemicals made by the same companies; the variety of food plants is being reduced; the soil is being degraded by mono-cropping and farming chemicals; broad-based food recalls are becoming more common; and family farmers are going out of business as corporate farm companies, genetically engineered seed companies, and governments are controlling food and land prices as well as trade routes. - John McCabe, author of Sunfood Traveler
    >The more you support local organic farmers the more you support your health, your community, your nation, the planet, your children, and future generations!
    Find your local farmers' markets here:
    http://www.localharvest.org/farmers-markets/"
    Paula Soveral (www.paulasoveral.net)

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