quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Ser Ecológico É Ser Bem Educado

O texto que se segue foi publicado no caderno P2 do jornal Público do passado dia 18 de Dezembro, e, apesar de eu ter sido uma das quatro pessoas inquiridas vale a pena ler, pois o jornalista Nicolau Ferreira fez uma excelente síntese de um assunto que dá pano para mangas:

«Etiqueta Verde

Perguntámos a quatro portugueses o que é necessário fazer para se ter um comportamento verde. Reciclar é indiscutível, mas ter uma horta caseira também vem na lista. Afinal, diminuir o impacto das nossas vidas no planeta já passou a questão da cidadania, é boa-educação.

Por Nicolau Ferreira

Acabou-se. Se ainda existe um lado glamoroso no discurso ecológico, atraente para jovens rebeldes que querem fazer parte das expedições mais ou menos heróicas da Greenpeace e irritante para os que olham com cinismo para a maior movida ambiental que alguma vez a humanidade viveu, Manuela Araújo afasta-o de uma vez por todas antes de começar a responder às perguntas do P2. "Todas as acções a que me refiro não se destinam a ter um impacto positivo no ambiente, apenas a reduzir o impacto negativo", explica a arquitecta de 47 anos por e-mail, antes de começar a enumerar as acções. Não há portanto uma pretensão ao heroísmo, nem ao salvamento de nada, há apenas uma tentativa de arrumar o máximo que se desarruma por termos o estilo de vida que temos.

E a desarrumação individual é significativa, basta fazer o teste da pegada ecológica para percebê-lo. Tentámos recriar o nosso quotidiano e medir esta pegada para compreender o impacto das nossas acções e perceber que efeito tem uma mudança de hábitos. Com um avatar suíço e os Alpes em pano de fundo, a situação mais próxima de Portugal que oferecia o site que escolhemos para o questionário, respondemos a perguntas sobre alimentação, o consumo de casa ou os meios de transporte que utilizamos.

O resultado está longe de ser brilhante. Mesmo com lâmpadas de poupança, reciclagem e poucos quilómetros percorridos de carro, seria necessária mais uma Terra inteira para comportar um modo de vida que não dispensa algumas horas anuais de voo, refeições com carne, alimentação importada e uma casa mal calafetada (mas sem aquecimento central). Se as perto de 6,8 mil milhões de pessoas que existem vivessem com luxos idênticos, um planeta Marte habitável não chegaria para todos, e ninguém sabe quando é que a população humana vai deixar de crescer. Mas existem alternativas para a maioria dos problemas e optar por essas alternativas pode, ao fim do dia, tornar-nos portadores de uma etiqueta verde.

Três frentes de batalha

Há um objectivo geral por trás de cada comportamento verde, por mais que o "ecológico" irrite os familiares, amigos e colegas que ainda não aderiram. "Para mim o importante é reduzir o consumo ao essencial e excluir o supérfluo, englobando aqui o consumo de água, de energia e de "coisas"", sumariza Manuela, que vive em Vila Nova de Famalicão. O consumo alimentar, a energia gasta em casa e o modo como cada um se movimenta todos os dias de um lado para o outro são as principais frentes de batalha que podem ser escrutinadas do ponto de vista ambiental.

No supermercado a primeira regra é comprar alimentos produzidos na região. Quanto mais perto for a origem do alimento, menos energia foi consumida para o fazer chegar aos pontos de venda. Depois, sempre que se puder, deve-se optar por alimentos de origem biológica, cujo certificado garante práticas naturais de crescimento, menos fertilizantes químicos e antibióticos. Também é importante a diminuição na procura de carnes, principalmente a vermelha, já que a produção animal exige grandes quantidades de cereal e feno (lembra-se da crise de alimentos durante a Primavera de 2008, em que parte do problema foi causada pelo número de famílias chinesas que passaram a consumir carne?). Para quem tenha a sorte de ter um pouco de terra sugere-se uma aventura pela horticultura para alimentação própria.

Em casa, uma das medidas mais unânimes é a separação do lixo e reciclagem. Uma actividade que pode abarcar mais do que o plástico, o papel ou o vidro e passar a incluir as pilhas, os óleos. Os restos orgânicos são grandes candidatos para a fertilização da horta. Nuno Pinheiro é um adepto. "Fazemos compostagem com cascas e restos das plantas do jardim e do olival. O olival é fertilizado com o mato da limpeza da mata da qual somos proprietários, onde plantamos de tudo um pouco e temos árvores das mais variadas espécies", explica o bancário de 39 anos que vive numa aldeia perto de Seia.

Em relação à energia e à água, Daniela Ambrósio, de 27 anos, tem uma lista longa de regras que ajudam a optimizar os recursos. Para poupar electricidade no aquecimento sugere proteger portas e janelas de fugas de ar, ter as persianas abertas durante o dia para entrar calor e manter as portas fechadas. Relativamente à luz, opta por lâmpadas economizadoras, prefere electrodomésticos de Classe A de energia, portáteis a computadores fixos, que obrigam a ter ecrã, desliga os electrodomésticos da ficha, só põe máquinas (da roupa e loiça) a trabalhar quando estão cheias, cozinha em grandes quantidades para economizar energia e defende a utilização de painéis fotovoltaicos. Para poupar água sugere a utilização de um copo sempre que se lava os dentes, armazenar a água do banho num balde para outros fins e utilizar a água da cozedura de alimentos para fazer sopa.

De tudo isto só falha uma coisa. "Não tenho painéis fotovoltaicos e solares porque o prédio onde moro não tem, mas quando tiver casa própria essa será uma prioridade", afirma a gestora cultural de Aveiro, que prefere roupas de fibra natural a fibra sintética e substitui o limpa-vidros por uma solução de água e vinagre menos nociva para o ambiente.

Nas viagens diárias não há muito a saber, trocar o automóvel com um passageiro por transportes públicos, uma bicicleta ou as pernas é a atitude mais ecológica. Mas há detalhes a ter em conta para os utilizadores de carro, como baixar o consumo de combustível reduzindo a velocidade, desligar o motor sempre que se pára em algum sítio, e abandonar o hábito de trocar o veículo de dois em dois anos.

Limitações externas

César Marques é um dos que optam por ter uma condução mais cuidada já que não consegue livrar-se do carro. "Não posso fugir a determinadas obrigações e responsabilidades, como ir para o trabalho todos os dias, que fica a 18 quilómetros de casa, num trajecto que não é servido por transportes públicos competitivos com o automóvel particular", explica o informático de 37 anos que vive em Lisboa. Se pudesse, admite que andaria só de bicicleta, pois é o seu transporte de eleição.

De resto recicla, sempre que pode vai a pé até aos locais, tem em casa um contador de electricidade bi-horário, que permite poupar dinheiro utilizando mais electricidade durante a noite, o que acarreta menos custos para a rede eléctrica. Se pudesse, faria mais: "Gostaria de produzir energia limpa de uma forma simples e sem grandes burocracias. Na Alemanha entra-se numa loja da especialidade, adquirem-se os painéis, faz-se a instalação e em meia dúzia de dias já se produz e vende energia para a rede eléctrica."

Há mais reparos a fazer ao sistema português. Como os preços altos dos produtos biológicos, das lâmpadas economizadoras, dos electrodomésticos de Classe A ou dos painéis fotovoltaicos que, segundo Daniela Ambrósio, nem todas as pessoas podem pagar. Manuela Araújo queixa-se da falta de incentivo à agricultura portuguesa, que impede termos um mercado interno maior, e sugere a implementação da certificação energética dos edifícios, não só dos que estão a ser construídos mas também dos antigos.

Nuno Pinheiro, apesar de pagar o saneamento, denuncia uma situação constrangedora para qualquer país que se diz civilizado. "A pegada ecológica da minha família poderia ser menor se os esgotos da minha aldeia fossem tratados. A agravar tudo isto, estão a ir directos para a única fonte de água que existia e abastecia a aldeia antes de haver água canalizada", explica, desabafando que "paga para poluir".

As limitações portuguesas não são uma justificação para não se fazer nada, considera César Marques, defendendo que "há ainda possibilidade de reduzir muito a pegada ecológica". O facto é que muitas pessoas não alteram os seus hábitos diários. Daniela Ambrósio acredita que para se alterar o comportamento é necessário ter-se, antes de tudo, uma "consciência do que é o ambiente, do quanto necessitamos dele para viver, e depois perceber o mal que lhe fazemos". Até porque outra opinião unânime é a de que a acção individual conta.

Ser ecológico

"Já imaginou a redução na área necessária para produção de alimentos para gado bovino se todos, ou a maioria dos habitantes dos países ditos desenvolvidos, passassem a comer apenas a quantidade de carne recomendada pelos nutricionistas?", questiona Manuela Araújo, que diz sentir-se tentada a criticar pessoas que têm um grande nível de instrução e ignoram este assunto. Nuno Pinheiro defende que a educação começa em casa, "e não na escola, como muitos pais pensam".

A forma mais fácil de educar é o exemplo pessoal, diz César Marques. "As pessoas são sensíveis aos casos particulares e projectam com maior facilidade essa experiência em si mesmas", acrescenta. E quando existem benefícios económicos, as mudanças ainda são mais rápidas, garante o informático.

Talvez não seja necessária uma etiqueta verde, uma lista que será sempre artificial e que poderá não se ajustar à realidade de cada um. Talvez as pessoas ganhem novos hábitos à medida que sintam os exemplos dos outros crescerem como uma coisa fácil, como parece ser para Manuela Araújo: "Faço de tudo um pouco e gradualmente, sem fundamentalismos, de modo a que não prejudique a vida familiar." César Marques olha para a ecologia como algo que deve estar enraizado, que faz parte de qualquer acto. "Ser ecológico é algo natural, tal como os bons modos para uma pessoa bem formada. Quem é bem-educado não tem uma lista de acções." Limpa o que suja, não cospe no chão, fecha a porta quando sai. Deixa as coisas como as encontrou, prontas para serem utilizadas pelo próximo. E a Terra é uma daquelas coisas que estão sempre a ser utilizadas pelo próximo. »

(F
onte: Público, Etiqueta Verde folha 1, Etiqueta Verde folha 2
)
(Blogues de outros inquiridos: Sportblog, Blog do Pinhas)
Devo apenas fazer uma observação, ou aliás correcção, em relação à frase "Manuela Araújo (...) sugere a implementação da certificação energética dos edifícios, não só dos que estão a ser construídos mas também dos antigos". Na realidade, a certificação energética é obrigatória também para os edifícios existentes, pois não é possível arrendá-los ou transaccioná-los sem o certificado energético. No entanto, os tais certificados energéticos podem ter classe de eficiência energética A, B, C, D, E, F ou G, ao contrário dos edifícios novos que só podem ser classe A ou B. O que é preciso é fortes incentivos para a melhoria da eficiência, não só energética, mas ambiental nas suas várias vertentes, para a conversão dos edifícios existentes.

(Nota: fui inquirida na sequência da participação no blogue O que faço pelo ambiente? do Ecosfera - Público)

20 comentários:

  1. Que tenhas um excelente ano! :)

    Beijo

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  2. Manuela,
    Como sabe que eu sou, de há longa data, recicladora, economizadora de água, energia, gás, etc. etc., e porque tem sido difícil comentar no Sustentabilidade porque exige mais memória virtual do que a que eu tinha no computador e que agora aumentei um pouco, vou aproveitar para lhe desejar um bom ano de 2010, extensíveis aos outros co-autores deste blogue, designadamente a Fada e o Ferreira-Pinto.
    Parabéns pelo excelente trabalho e força para continuarem!
    Beijinhos.

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  3. Autores, comentadores e visitantes deste espaço indispensável

    A blogosfera não se resume a troca de ideias e de opiniões, mas também é um veículo de comunicação e de troca de afectos e votos amigos de um futuro melhor, de bons auspícios para 2010. Não se pode passar esta fronteira entre os dois anos sem manifestarmos o nosso desejo, a nossa esperança que a área em que entramos nos traga mais felicidade, para o nosso pequeno grupo, para os nossos compatriotas e para todos os seres viventes. Felicidades para todo o Mundo, depois desta migração para 2010.

    Abraços
    João

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  4. Spark, Josefa e João Soares

    Muito obrigada, e espero que para vocês 2010 seja um ano que vos traga muitos sorrisos.

    Um abraço e um feliz ano novo.

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  5. Gostei muito de ler este post. É bom verificar que, da parte da comunicação social, ao longo do ano que agora termina, aumentou a preocupação de ir falando nestes assuntos, mostrando que o que podemos fazer é tanto e custa tão pouco. Confesso que tenho pessoas muito próximas a quem ainda não consegui convencer acerca dos benefícios de coisas tão simples como a separação do lixo doméstico mas não vou desistir. Ainda por cima no concelho de Oeiras já se faz a recolha selectiva de imensos tipos de resíduos. Felizmente as crianças já são aliados nessa luta.
    Um bom ano de 2010 para os autores do "Sustentabilidade é Acção" e seus amigos.

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  6. Analima
    Eu penso que a Cimeira de Copenhaga, que não serviu para quase nada em termos políticos, terá pelo menos servido para alertar as pessoas para os problemas ambientais. Repare que (parece-me), durante os dias dessa cimeira a comunicação social falou de ambiente mais do que no resto do ano todo.
    Obrigada e um bom ano novo também para si.
    Um abraço.

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  7. Bom Ano, Manuela. Mais solidário e sustentável, se possível.

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  8. Olá Manuela!

    Dentro de poucas horas 2009 estará "morto". Viva 2010!
    E que ele nos consiga fazer esquecer o lado menos positivo do seu antecessor ; que nos saiba governar melhor, com mais sentido de justiça, e também de bom senso.
    Muitos, dele esperam muito. Oxalá não nos desiluda!

    E termino desejando-lhe - tal como ao resto do grupo - um Feliz Novo Ano - e que entre com o pé direito!

    Um abraço.
    Vitor Chuva

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  9. Feliz Ano Novo e tudo de bom!

    Beijinhos,
    Ana Martins

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  10. Olá Vítor
    Palavras certeiras as suas, aliás como sempre.
    Esperemos mesmo que 2010 seja muito melhor que 2009.
    Obrigada, e entrarei o ano com os dois pés, braços, cabeça, e sobretudo, com o coração.
    Um bom ano para si também, e um grande abraço.

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  11. Ana Martins

    Muito obrigada, e óptimo 2010 para si também.
    Beijinhos

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  12. Pela parte que me toca, agradeço e retribuo um Novo Ano cheio de alegria, saude, paz e amor.
    Amor na partilha e peço que ao dar qualquer coisa, oferecer o que quer que seja, partilhar o possível ou o impossível, sintamos que é uma parte de nós que oferecemos ao outro.
    Não se esqueçam das outras criaturas que não os humanos, que tanto precisam do nosso respeito e carinho, o melhor presente que se pode oferecer durante o ano todo.
    Assim seremos felizes
    FELIZ 2010 para todos. :))

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  13. Fada do Bosque
    Um excelente ano de 2010 para a minha querida irmã. Que tenhas tudo de bom e muita luz te ilumine o caminho.
    Beijos

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  14. Agradeço e retribuo a visita.
    Se quiser pode "copiar" os links dos PDFs.

    Um Bom ano ambientalista em 2010.

    Passo a ser mais um visitante do seu espaço.

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  15. Tal como desejei, num comentário anterior,
    "Que este ano surjam muitos autores de novos blogues ou mesmo de visitantes, pois isso dar-nos-á a Esperança de mais aderentes a causas de suprema importância, tais como a urgência dum aumento na protecção do ambiente, etc.
    Um grande abraço, Manuela.

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  16. Olá Pinhas
    Já lá estão os links nas fontes. Obrigada e um excelente ano para si.

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  17. Cara Maria Letra
    Muito obrigada e espero também que este ano seja um ano de atenção ao ambiente por um número cada vez maior de pessoas.
    Um óptimo ano para si e um grande abraço

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  18. Olá Manuela!
    Bom ano de 2010!
    Bonito estaminé que aqui tem. Vou visitar ;)
    Este artigo ficou bom, não ficou? ;)

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  19. Olá César
    Obrigada, o artigo ficou óptimo e o seu contributo ditou o título :) , muito bem apanhado pelo Nicolau Ferreira.
    Seja bem vindo e bom ano

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Obrigada por visitar o blogue "Sustentabilidade é Acção"!

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