quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Vamos mudar de rumo


Vale a pena ler o texto de Leonardo Boff, teólogo, escritor e professor universitário brasileiro, que, estando já divulgado em tantos sites, me vou atrever a transcrever por inteiro para aqui:

"O que está em jogo em Copenhague?

Em Copenhague os 192 representantes dos povos vão se confrontar com uma irreversibilidade: a Terra já se aqueceu, em grande, por causa de nosso estilo de produzir, de consumir e de tratar a natureza. Só nos cabe adaptarmo-nos às mudanças e mitigar seus efeitos perversos.
O normal seria que a humanidade se pergunta, tal como um médico faz ao seu paciente: por que chegamos a esta situação? Importa considerar os sintomas e identificar a causa. Errôneo seria tratar dos sintomas deixando a causa intocada continuando a ameaçar a saúde do paciente.
É exatamente o que parece estar ocorrendo em Copenhague. Procuram-se meios para tratar os sintomas, mas não se vai à causa fundamental. A mudança climática com eventos extremos é um sintoma produzido por gases de efeito estufa que tem a digital humana. As soluções sugeridas são: diminuir as porcentagens dos gases, mais altas para os países industrializados; e mais baixas para os em desenvolvimento; criar fundos financeiros para socorrer os países pobres e transferir tecnologias para os retardatários. Tudo isso no quadro de infindáveis discussões que emperram os consensos mínimos.
Estas medidas atacam apenas os sintomas. Há que se ir mais fundo, às causas que produzem tais gases prejudiciais à saúde de todos os viventes e da própria Terra. Copenhague dar-se-ia a ocasião de se fazer com coragem um balanço de nossas práticas em relação com a natureza, com humildade reconhecer nossa responsabilidade e com sabedoria receitar o remédio adequado. Mas, não é isto que está previsto. A estratégia dominante é receitar aspirina para quem tem uma grave doença cardíaca ao invés de fazer um transplante.

Tem razão a Carta da Terra quando reza: "Como nunca antes na história, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo... Isto requer uma mudança na mente e no coração". É isso mesmo: não bastam remendos; precisamos recomeçar, quer dizer, encontrar uma forma diferente de habitar a Terra, de produzir e de consumir com uma mente cooperativa e um coração compassivo.
De saída, urge reconhecer: o problema em si não é a Terra, mas nossa relação para com ela. Ela viveu mais de quatro bilhões de anos sem nós e pode continuar tranquilamente sem nós. Nós não podemos viver sem a Terra, sem seus recursos e serviços. Temos que mudar. A alternativa à mudança é aceitar o risco de nossa própria destruição e de uma terrível devastação da biodiversidade.
Qual é a causa? É o sonho de buscar a felicidade que se alcança pela acumulação de riqueza material e pelo progresso sem fim, usando para isso a ciência e a técnica com as quais se pode explorar de forma ilimitada todos os recursos da Terra. Essa felicidade é buscada individualmente, entrando em competição uns com os outros, favorecendo assim o egoísmo, a ambição e a falta de solidariedade.
Nesta competição os fracos são vitimas daquilo que Darwin chama de seleção natural. Só os que melhor se adaptam, merecem sobreviver, os demais são, naturalmente, selecionados e condenados a desaparecer.
Durante séculos predominou este sonho ilusório, fazendo poucos ricos de um lado e muitos pobres do outro à custa de uma espantosa devastação da natureza.
Raramente se colocou a questão: pode uma Terra finita suportar um projeto infinito? A resposta nos vem sendo dada pela própria Terra. Ela não consegue, sozinha, repor o que se extraiu dela; perdeu seu equilíbrio interno por causa do caos que criamos em sua base físico-química e pela poluição atmosférica que a fez mudar de estado. A continuar por esse caminho, comprometeremos nosso futuro.
Que se poderia esperar de Copenhague? Apenas essa singela confissão: assim como estamos não podemos continuar. E um simples propósito: Vamos mudar de rumo. Ao invés da competição, a cooperação. Ao invés de progresso sem fim, a harmonia com os ritmos da Terra. No lugar do individualismo, a solidariedade generacional. Utopia? Sim, mas uma utopia necessária para garantir um porvir."

6 comentários:

  1. Majestosamente, o astro rei ergueu-se solitário sobre o horizonte.
    Nada perturbou a sua caminhada pelo céu azul forte, despido de nuvens. O vento, resumido a uma tímida aragem, mal conseguia despertar as poucas ervas rasteiras que ainda sobreviviam, refugiadas na sombra protectora dos troncos ressequidos. A vida, esse teimoso mistério de contrasensos, persistia em não se deixar extinguir, apesar do ambiente desolado daquele recanto do deserto.
    As aves já não procuravam mais ali os seus ninhos da primavera; o calor tórrido, o ar seco e a ausência absoluta de chuva haviam tornado aquele outrora quase paraíso numa antecâmara do inferno, habitado apenas pelos répteis e escorpiões.
    O bosque de cedros, em tempos verdejante, vira correr a seu lado um ribeiro de águas frescas, alimentado com o degelo da primavera.
    Mas a primavera dera lugar ao verão, as montanhas distantes haviam perdido os seus cumes de neves brancas e o ribeiro secara, sem mais alimento para as areias sedentas que aos pouco e poucos, o engoliram.
    Ninguém sabia o porquê.
    O verão eternizara-se, a temperatura subira, o chão perdera a cor verde e os animais haviam partido em busca de locais mais frescos. A terra retalhou-se, dolorosamente, abrindo fendas extensas, expondo as entranhas à inclemência do sol.
    Algures no meio da planície, um pequeno grupo de troncos retorcidos testemunhava ainda o local do bosque original.

    Quando a escuridão desceu de novo sobre a terra, o sol abrasador fizera mais uma vítima; um último ponto verde no tronco moribundo de um dos cedros perecera, rasgado sem piedade pelos raios do deus sol.

    - Milius… Milius…
    O cedro maior continuou o chamamento, mas a noite devolveu-lhe um imenso silêncio como resposta. Não conseguia suportar a ideia de todos os companheiros estarem agora transformados em meros esqueletos sem vida, uma massa de madeira informe e sem vida, de formas grotescas, destacando-se na planura do deserto.

    - Milius… por favor… não me deixes aqui sozinho…
    O espírito do cedro não lhe respondeu ao chamamento. Por muito que lhe custasse a aceitar… estava só, completamente só … rodeado dos testemunhos sem vida dos seus amigos, agora resumidos a galhos secos e … memórias, muitas e boas memórias.

    O cedro maior emudeceu. Pela primeira vez em toda a sua longa existência, desejou ser algo mais que uma mera árvore, desejou poder mover-se, poder partir para outro local, esquecer aquele recanto de infância… esquecer tudo.
    Sentiu saudades da chuva.
    Sentiu saudades da fresquidão das gotas sobre as folhas verdes, da passagem dos animais rumo ao ribeiro, das flores silvestres que se acumulavam junto da sua sombra…

    Apeteceu-lhe chorar. Mas nem isso podia fazer.
    Tentou inclinar-se… deitar… adormecer… mas isso também não lhe era permitido.
    Morrer, talvez… mas mesmo a morrer, seria de pé.

    ( Escrevi isto há muito tempo, mas senti que vinha a propósito )

    Rolando

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  2. Rolando

    Agradeço o lindíssimo conto com que nos presenteou.
    Espero a história desse cedro não seja a história que se está a escrever em Copenhaga, mas que esta seja antes a história de um mudar de rumo, um ponto de inflexão.
    Mas mesmo que se trate de um ponto de inflexão, tratar-se-á, como diz Boff, de um remediar um sério problema com uma simples aspirina...
    Mas o mundo não poderá mais ser visto com os mesmos olhos!

    Obrigada e cumprimentos.

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  3. Olá Manuela,
    Venho sempre ao seu blogue, porque sei que vou sempre encontar bom material sobre os problemas ambientais, grande e meritório trabalho o seu.
    Não conhecia esta entrevista e gostei bastante de a ler.
    Não sei se será uma utopia mesmo, conseguir ultrapassar todos os vícios já adquiridos!?...
    Bjs,
    Manuela

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  4. Olá Manuela

    Agradeço do coração o seu comentário, alegra-me e dá-me alento que goste do conteúdo do blogue.
    Até hoje, li apenas dois textos de Leonardo Boff, este, e um sobre a tolerância que me indicou a Ana Paula Fitas. Considero ambos excelentes, e concordo com eles a 100%, pois transmitem aquilo que penso e que não saberia dizer nem a 10%.
    Claro que é uma utopia, mas tal como disse o nosso poeta António Gedeão, na sua Pedra Filosofal:
    "(...)
    Eles não sabem, nem sonham,
    que o sonho comanda a vida,
    que sempre que um homem sonha
    o mundo pula e avança
    como bola colorida
    entre as mãos de uma criança."

    Acho que a utopia é o motor da mudança. Sabemos que não chegaremos lá, mas sabemos que é por aí que queremos ir.

    Muito obrigada e beijos.

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  5. Leonardo Boff faz um remate final digno do resto do texto, mas onde infelizmente mais que esperança ressalta a quase certeza que depois de Copenhaga tudo ficará na mesma.
    Aliás, começam a ser evidentes os sinais vindos de lá que aquilo que antes se dizia e saia das chancelarias do mundo era verdade.
    Aparentemente, só aqueles que já estão com os problemas bem dentro de portas exigem medidas concretas; os outros, apostam na cosmética.

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  6. Ferreira-Pinto
    A bronca do documento não oficial Dinamarquês veio mostrar as verdadeiras intenções de muitos... Ainda bem que deu bronca mesmo!
    A hipocrisia tem dominado, ao que parece, e o "braço de ferro".
    Não há meio de os que sempre foram privilegiados assuma isso e protejam os que precisam.
    Mas vamos ver até onde isto vai!
    Não há dúvida que Leonardo Boff tem razão!

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