segunda-feira, 15 de junho de 2009

Quem precisa de Arquitectura Verde

O artigo que aqui traduzo (pelo que peço desculpa se houver erros) foi publicado em 2009.06.12 no blogue COP15 Copenhaga por Elias Messinas, arquitecto, fundador e presidente da ECOWEEK.

Quem precisa de Arquitectura Verde

Hoje em dia só se fala de Arquitectura "verde". Está nos jornais, nas revistas, na televisão. Muitos dos meus colegas são baptizados da noite para o dia como "peritos" em arquitectura "verde", enquanto os seus clientes, que de repente se preocupam com o meio ambiente, vão trabalhar nos seus SUVs (híbridos). As comunidades, que se querem tornar "verdes", estão muitas vezes relutantes em comprometer-se com o estilo de vida sustentável que isso significa.

É muito difícil instilar o senso comum e a prática "verde" num mundo de consumo. Num mundo que não conhece limites para quanto cada um pode tirar do comum global, quanto cada um pode poluir e quanto cada um pode impor a sua pegada de carbono nos recursos de outros. É muito difícil incutir um sentido de responsabilidade àqueles que querem fazer a diferença, mas, gostando de dinheiro, são muito cínicos quando se trata de proteger crianças, mulheres, o ambiente, ou de ajudar a tornar o mundo um lugar mais justo e mais saudável para viver.

Num mundo de arquitectos de carreira e de arquitectos estrela, que são pagos à percentagem sobre o custo das construções, não faz mal gastar milhões com edifícios certificados pelo LEED (Leadership in Energy and Environmental Design – sistema de certificação ambiental nos EUA*), quando a riqueza acumulada nesses edifícios tem muito mais impacte do que a poupança energética que o edifício terá em toda a sua vida útil. Também não pensamos duas vezes quando encomendamos sistemas de AVAC caríssimos (AVAC- aquecimento, ventilação e ar condicionado*) - quando o consultor é pago em percentagem do custo do sistema; quando abrir uma janela ou aplicar sombreamento e isolamento térmico adequado, pode muitas vezes ser mais eficaz (e certamente de menor consumo e manutenção, e mais saudável).

Quando nos deparamos com o que está a ser construído hoje em dia em muitas partes do planeta, ou como empreendedores e arquitectos se relacionam com a nossa profissão no século 21, temos a sensação que eles vivem num planeta diferente. Podem intitular-se de "verdes" por colocar um sistema para recolher água da chuva, mas continuam a isolar mal os edifícios - pois o cliente que vai pagar a factura do aquecimento e arrefecimento todos os meses, nunca vai saber a verdade.

Não estou a falar de regulação, uma vez que nos países em que pratico, as entidades reguladoras parecem não apenas estar noutro planeta, como também numa outra época. As suas políticas são frequentemente tão irrelevantes, que é difícil falar de regulamentação suficiente quando não há inteligência suficiente e muito menos senso comum. Assim, questões como a regulamentação do consumo de energia nos edifícios, de avaliação do ciclo de vida de edifícios, construção ou gestão de resíduos são frequentemente recomendadas mas não obrigatórias; são boas ideias para colocar nas agendas eleitorais, mas certamente não serão uma prioridade para a execução, pelo menos em seus 4 anos de mandato.

Portanto, não é de admirar que os edifícios consumam hoje cerca de metade da energia produzida na Europa e sejam responsáveis por uma grande percentagem das emissões de CO2 para a atmosfera. Cada item especificado num edifício, e o sistema AVAC a funcionar todos os dias no período de vida do edifício, torna a construção num contribuinte para o problema, não só das alterações climáticas, mas, pior ainda, para o adiamento da solução.

Mas qual é a solução? Têm-me perguntado muitas vezes, sempre seguido pela pergunta: "Mas não é a arquitectura 'verde' mais cara?"

É a pergunta errada, pois não acredito que a solução seja gerada no mesmo espírito que gerou o problema. Os edifícios ‘verdes’ podem realmente ser mais baratos se devidamente planeados e especificados; isolamento e sombra adequados, por exemplo, podem reduzir a necessidade de ar condicionado sobre dimensionado. É uma questão de profissionais que se movem para a próxima fase. Levou 40 anos aos judeus a chegarem à Terra de Israel depois de terem deixado o Egipto como escravos. Hoje, embora escravos do consumo, não podemos manter os nossos arquitectos no deserto durante 40 anos, por isso temos de lhes dar um tipo diferente de educação; educação que irá ajudá-los a fazer escolhas diferentes e a tornarem-se melhores profissionais e mais ambientalmente conscientes. Não apenas melhores arquitectos, mas também cidadãos mais activos e responsáveis.

Citando David Orr (Earth in Mind, 111), no nosso sistema educacional especializado, institutos de educação devem ‘dotar os jovens com um entendimento básico de sistemas’ para ‘procurar "os padrões que ligam" sistemas humanos e naturais; para ensinar os jovens [...] a causa e o efeito; para dar aos alunos competências práticas [...] para resolver problemas locais, e para [lhes] ensinar o hábito para “arregaçar” as mangas e trabalhar ‘.

Educação, citando Ortega y Gasset (in EF Schumacher 'Small is Beautiful', 66) "é a transmissão de ideias que permite ao homem escolher entre uma coisa e outra". Temos de dar aos nossos jovens arquitectos novos tipos de escolhas e novas formas de resolver os problemas que a nossa geração criou.

A ONG ECOWEEK tem vindo a sensibilizar o público sobre as questões ambientais desde que começou a sua actividade na Grécia em 2005. Hoje opera na Europa, nos EUA e no Médio Oriente, reunindo escolas, jovens profissionais e estudantes de arquitectura, com o objectivo de intervir na educação das pessoas que irão moldar o nosso futuro (arquitectónico). O Movimento Moderno não aconteceu simplesmente. A dependência de combustíveis fósseis não aconteceu simplesmente. Estes são processos conscientes que aconteceram na nossa geração. É tarefa das nossas gerações preparar a nova geração para os novos processos, aqueles que irão estabelecer o equilíbrio entre as práticas de edifícios inteligentes e sustentáveis, com os processos naturais e os limites de nossa biosfera.

Elias Messinas (arquitecto graduado por Yale, praticante na Grécia, Israel, Chipre e EUA , Fundador e Presidente da ONG ambiental internacional ECOWEEK, activa na Europa, EUA e Médio Oriente)


(Fonte: COP15 - Who Needs Green Architecture)

11 comentários:

  1. A defesa dos princípios da arquitectura verde que aqui é feita não me merecem reparos de maior.
    Aliás, não me merecem reparos alguns.

    Agora, posso é discorrer sobre os custos que representaria para um cidadão normal, digamos que um português, teria em recorrer aos serviços de Elias Messinas, por exemplo.

    Note-se que eu acho que cada um deve ser pago em função do seu labor e que, na arquitectura, como noutros domínios, há quem se pague na justa proporção e quem encare o cliente como um alvo perfeito para o saque!

    Depois, e mais uma vez no caso do português, também me interrogo quantos empresários da construção civil estarão realmente apetrechados em termos técnicos e humanos para erguer um edifício dessa natureza?

    Marçal Grilo ainda há dias, a propósito doutra temática, chamava a atenção para o facto de entre nós ser quase obrigatório recorrer-se ao "isto é mais ou menos ..."; ora, do que sei, não será de todo viável que eu (cliente) queira arriscar meter-me com um arquitecto que me apresenta uma casa com cobertura ajardinada e depois levar com um empreiteiro que acha, e os empregados ainda mais, que isto deve ser mais ou menos assim ... e ao fim de dois anos o mais ou menos se transformar numa série infindável de problemas!

    Paralelamente, lendo este texto quase sinto pena dos técnicos superiores de engenharia e de arquitectura que por esse país fora têm de informar tecnicamente autênticos hinos à corrente estética dos "monos lusos".

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  2. Penso que as mensagens dominantes do artigo são as seguintes:
    1 - Embora seja importante a componente ecológica activa dos edifícios (como o uso de energias renováveis, sistemas de recolha de águas da chuva,...), é mais importante apostar numa construção bem projectada na sua componente ambiental passiva (isolamento, arejamento, sombreamento, orientação solar, uso de materiais com menor pegada ecológica e com possibilidade de reciclagem numa futura).
    2 - Constroem-se edifícios megalómenos (veja-se por exemplo o Dubai) sem preocupações ambientais, cujo objectivo é a ostentação e riqueza, e que por si só são a fonte e continuação do agravamento do problema maior do planeta - o consumo desproporcionado de recursos que a poucos servem e a muitos afectam.
    3 - A maioria dos arquitectos não têm conhecimentos suficientes para optarem por opções mais ecológicas, pelo que é preciso apostar na sua educação ambiental nas escolas de arquitectura, e em formação contínua.

    E eu concluo: no caso da arquitectura, e por muito que me doa dizer isto, na maioria dos casos, a ostentação, a riqueza e a grandeza, são inimigas do bem estar do planeta.

    Quanto aos "monos lusos", Ferreira-Pinto, tem razão na sua pena, mas não são o mais grave. E ao distanciamento dos empreiteiros em relação aos arquitectos, também tem razão, mas esperemos que da crise sobrevivam os mais capazes.

    Haja pelo menos algum optimismo: a certificação energética dos edifícios, já em vigor em Portugal, está a contribuir para uma gradual melhoria do desempenho ambiental dos edifícios. Não é suficiente, mas já é alguma coisa.

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  3. O melhor é ir buscar técnicos Dinamarqueses, como fazem os barões do petróleo!

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  4. Minha cara Bastet Ailuros, a minha divagação, e entenda-a apenas como tal, pretendia apenas puxar a discussão para outros temas laterais embora também abordados no artigo transcrito.

    Vejo que, pelo menos a um, fugiu cuidadosamente: o dos honorários exorbitantes que muitos arquitectos, e nem é preciso serem de nomeada, pediriam para um projecto ecologicamente sustentável e responsável.
    Gostaria de a ver abordar tal.

    Quanto às edificações no Dubai, e porquê no Dubai, valha-nos Deus, temos de convir que, tirando a aberração da ostentação e opulência, nalguns casos tanto o arquitecto como os engenheiros tiveram de se esmerar e de colocar as células cinzentas a funcionar e bem!

    E, aqui entre nós, metade daquilo é assim porque é preciso lavar dinheiro.

    Quanto aos arquitectos não terem formação adequada nessa área, admito que sim.
    Oportunidade e necessidade para que as instituições de ensino revejam o que andam a fazer, não?

    Ó fada dinamarqueses? Nós por cá também os temos bons para a ostentação ... precisamos é de melhorar nos patamares intermédios.

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  5. Mas os Dinamarqueses são os melhores dentro dos patamares ecológicos e intermédios... Penso é que, os portugueses têm de ser mais humildes e aprender com os bons exemplos.
    Lá quanto à ostentação, só o fazem porque os mandam!
    Acho que a Dinamarca não é um país ostensivo! E mais, acho bem interessante a reabilitação dos centros das cidades, que são autenticos atentados á história do nosso País. Já viram o estado deplorável em que o centro do Porto está e o que isso acarreta?! Se formos a França, por exemplo, os centros históricos têm uma "manutenção" fora de série. Já para não falar nos Países mais a norte.
    É bom para as cidades, pessoas, comércio tradicional, menos transportes e logo, menos CO2.
    Acho que se devia começar por aí, pois estamos a deitar ao lixo a nossa história!
    Se há falta de mestres, marceneiros, pintores, pedreiros; não há quem queira aprender a trabalhar para saír do desemprego?!Ou há?!?!
    É isso que os nossos emigrantes, vão fazer no estrangeiro e pelos vistos são bons!
    Bem, parece que fugi ao tema... mas falo disto, tendo sempre em conta a ecologia!

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  6. Pois é, esqueci-me da uma das mensagens, talvez por ser a mais óbvia.
    Os arquitectos ganham honorários na proporção do valor da obra. Tal como os restantes "actores" (engenheiros, empreiteiros,...)intervenientes no processo construtivo, presumo.
    Por azar, esses arquitectos devem gostar de dinheiro como os outros. Ora então, toca a fazer obras de valor até onde o empreendedor deixar. Além disso, quanto maior, mais vistosa e arrojada for a obra, mais hipóteses de se tornar famoso.
    Infelizmente assim é.
    Ou podem dizer-me alguns nomes de arquitectos que tenham ficado famosos por projectarem excelentes edifícios de custos reduzidos e amigos do ambiente?
    Que os há, há. Agora saltarem para a ribalta, é que é difícil.
    Quanto à dinamarca, só de me lembrar da tradição da chacina no mar, até dá vontade de esquecer esse país.

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  7. Essa chacina que se passa na Dinamarca, como dizes, não é bem lá! É na Gronelandia, terreno pertencente à Dinamarca, mas cheia de tribos esquimós ou inuitas: É uma tradição secular desses povos, para não morrerem à fome. A Dinamarca não se sentiu no direito de fazer uma lei que proibisse estes povos de se alimentarem e sobreviverem! É muito pior o que se passa com as focas bébés, para as europeias e americanas se pavonearem!
    Olha que os dinamarqueses são um povo dócil...
    Quanto aos arquitectos é como tudo...
    Where'd all the good people go?
    I've been changing channels
    I don't see them on the TV shows- Jack Jonhson

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  8. A tradição da chacina de baleias e golfinhos não é digna de um país dito civilizado (http://www.novaera-alvorecer.net/a_chacina_organizada.htm), e o mesmo digo das focas.

    No que se refere à construção sustentável, os melhores exemplos, vêm sem dúvida, dos países nórdicos.
    Mas cá há já muitos arquitectos, sobretudo novos, é preciso é dar-lhes formação adequada. A Ordem dos Arquitectos tem feito um esforço nesse sentido, especialmente a da Região Norte. Ainda bem.

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  9. há muitos arquitectos que se interessam por essas questões, nem sempre levam honorários exobitantes, isso é um falso mito.
    Um bom arquitecto é aquele que de facto resove problemas, e um dos noosos problemas é de facto o consumo o desperdicio de energia, conheço muitos projectos que o resolveram.

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  10. Eu sei que cá há muito bons arquitectos, pois a minha irmã é dessa estirpe...
    Eu falei nos dinamarqueses porque têm técnicas simples e relativamente acessíveis de construir sustentávelmente.
    O problema português resume-se sempre ao mesmo: a ganância dos Tubarões e nisso sabemos que as ditas Ordens são autênticos Lobbies, onde se pratica uma descriminação insana em relação aos mais jovens, mesmo que sejam melhores profissionais e mais humanos!
    Não há melhor exemplo que a Ordem dos Médicos, se alguém morre por culpa de um médico, toda a Ordem o protege. Acesso à Universidade?! Tá bem!... Não vão os Tubarões ter que reduzir os custos das consultas. Mas fico contente por saber através de ti Bastet que a Ordem dos Arquitectos é mais justa e resiliente! :)

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  11. Armindo, bem vindo ao blogue. Foi preciso falar em arquitectura para apareceres... deformação profissional :)
    Eu sei que há cá bons arquitectos e também sabemos que não é preciso ser mais caro para ser melhor (os arquitectos e a arquitectura).
    Mas formação em arquitectura e construção sustentável, vai havendo, mas ainda não há muita adesão. Mas vai melhorando.
    O pior é que a Fada tem razão, há aqueles lobbies que fazem determinados gabinetes ganhar a maioria dos projectos.

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